Socorro
Mesquita (2)
Vianney
Mesquita
O Deus que em nós impera proíbe
que partamos sem o seu consentimento.
(Marco Túlio CÍCERO).
Procedeu-se,
em atendimento a fins acadêmicos, à leitura do livro Bioética
– desafios
éticos
no
debate
contemporâneo,
onde o sacerdote católico, filósofo e teólogo mencionado no título
evoca o fato de o ser humano atual perpassar difícil fase da
história, permeada por múltiplas e rápidas transformações,
alastradas globalmente. Essas mudanças – aduz o Autor - interferem
nos modos de pensar e agir, afetando as relações socioculturais e
até vinculações religiosas.
Na
interpretação livre operada em parte do texto, compreendeu-se o ato
suicida, do modo como divisa o Escritor - sob o ponto de vista da
confissão católica e sem descer a explicações da Ciência
Psicológica nem de outras fontes disciplinares - ao expressar a
noção de que, perante tantas inovações, a pessoa entra em crise,
sente-se insegura, de modo que não sabe o caminho a seguir.
Há
de se convir na ideia de que jamais a humanidade experimentou tanta
abertura de liberdade como nos dias de hoje. Contrastando com esse
panorama, apontado pelo Padre Luiz Antônio Bento, surgem outras
modalidades de escravidão social e psicológica, de modo que são
muitas as forças destrutivas a molestar os seres humanos. Dentre
estas, estão conflitos políticos, sociais, econômicos, raciais e
ideológicos.
Influenciado,
então, por tantas interferências complexas, o ente humano sente
dificuldades de autoafirmação. Seu pensamento balança entre a
esperança e a angústia, e ele não sabe se posicionar ante tais
desafios – exprime o Filósofo sob estudo.
A
história caminha tão celeremente que os seus protagonistas não
logram acompanhar o próprio ritmo. Esse descompasso põe na
berlinda, muitas vezes, os valores da estrutura familial. Surge,
pois, outro modelo de humanismo, marcado por contradições e
desequilíbrios, e os grupos familiares são importunados por tensões
decorrentes das condições demográficas, como também por
circunstâncias econômicas e sociais.
De
efeito, esses conflitos desencadeiam desgraças, das quais o gênero
humano é, simultaneamente, origem e vítima (GAUDIUM
ET SPES).
2
ANTECIPAÇÃO DO FIM À PRÓPRIA VIDA – INCÓGNITA
Não
obstante o grande desenvolvimento das Ciências Sociais e de outras
vertentes do conhecimento ordenado, particularizando a Psicologia e a
Psicanálise, o óbito autoinfligido continua sendo um enigma, pois
tem continuidade por séculos a fio, como incógnita, sem explicação
plausível, de sorte que seu espectro não se limita apenas a causas
psicológicas, psicanalíticas ou sociológicas, porquanto é
expresso como bem mais abrangente, o que não compete aqui debater.
No
seu magnificamente delineado escrito, o bioeticista Luís Antônio
Bento ensina que o fato de pôr termo à própria existência
representa morte intencional, a si cominada, quando a pessoa
experimenta uma situação-limite, não suporta mais a pressão
criada por ela mesma, por terceiros, ou pela sociedade,
indiretamente.
As
condições psicológicas, por consequente, sobram alteradas,
restando difícil raciocinar com clareza. Parece que só existe um
foco, ficando aquele sob essa compressão polimotivada a maquinar o
intento, até alcançar efetivá-lo.
Os
registros históricos - consoante alvitra o ensaísta de Bioética:
desafios
éticos no debate contemporâneo (2008) - assentam a constante
ocorrência de autopassamentos, e as tentativas visando a este
propósito se expandem por toda a Terra nas mais diversas épocas.
Consoante
ele informa no ensaio sob comentário, dados da Organização Mundial
da Saúde dão conta de que, atualmente, um milhão de pessoas se
matam por ano no mundo. Os índices globais de suicídios oscilam de
25 óbitos em cada cem mil habitantes. No Japão e países do
Continente Europeu, como Espanha, Itália, Irlanda e Holanda, bem
assim no Egito, a taxa é reduzida para até menos de dez trespasses
a cada cem mil habitantes.
A
maior incidência de vítimas está no segmento de adolescentes e
jovens abaixo dos 30 anos. Fato curioso – sugere o Teólogo cujo
texto é agora interpretado - é que o suicídio atinge maior
percentual de homens, apesar de as mulheres tentarem mais.
Visando
ao caráter social, destacam-se os desempregados como maioria das
vítimas, ao passo que os profissionais liberais representam minoria.
São as mais incidentes causas geradoras desse agravo lamentável a
solidão, o sentimento de inutilidade, a privação afetiva e de
integração social. Daí a constante ocorrência entre viúvos,
divorciados e outros que vivem sozinhos – completa o Padre
cornélio-procopiense.
Na
lição do Sacerdote paranaense, suicida é uma pessoa que decide se
anular, pois seu projeto é fugir de sofrimentos, físicos ou
psicológicos. Quando uma personagem está enfrentando crise
depressiva, é mais passível de ser alvo de suicídio, prefere a
morte no lugar da vida insuportável.
O
Filósofo e bioeticista sob nota dá conta do fato de que a Igreja
Católica, Apostólica e Romana abominava esse evento. Não assentia
em que se efetivassem nem missas de corpo presente. No tempo que ora
flui, a Filosofia eclesiástica decodifica diferentemente tal
acontecimento, pois não o considera mais uma ação moral. Assim,
não faz julgamentos da vítima e a recebe com misericórdia.
Ele
indigita três motivos básicos para a taxinomia do autocídio como
imoral:
a)
é uma fuga individual que atenta contra o princípio da
autoconservação vital;
b)
cuida-se de negação social, deixando-se de contribuir para o bem da
sociedade; e
c) constitui falha no âmbito religioso, pois atenta contra o quinto
mandamento do Decálogo Mosaico – NÃO MATAR.
O
suicídio direto representa falha contra si, desfavoravelmente ao
próximo e sem mercê a Deus. É oposto à dimensão da moral
religiosa. O catecismo da Igreja Católica acentua: ”O suicídio é
gravemente contrário à justiça, à esperança e à caridade. É
proibido pelo quinto mandamento”. (Nº 2325). As pessoas que o
demandam arrostam conflitos internos e externos e não vislumbram
possibilidades de solvê-los.
O
Catecismo da Igreja Católica aponta “distúrbios psíquicos de
natureza grave, a angústia ou o medo grave da provação, do
sofrimento ou de tortura podem diminuir a responsabilidade do
suicida”. (Nº 2282).
3
O SUICÍDIO INDIRETO
No
entendimento do Escritor agora comentado, a justificativa da morte
perante valorações superiores é havida pela tradição moral como
suicídio indireto. A morte não é o fim, e sim o meio, para se
atingir bom resultado. Os mártires doam sua vida para testemunhar o
amor de Deus. A doação da vida numa dedicação aos enfermos
contagiosos provoca a morte gradual. No caso, o óbito não é o fim
útil, porém um gesto caritativo. Os doutrinadores católicos
consideram de duplo efeito, porque a morte não é intencional, mas
acidental. A atitude pode ser havida como ato heroico de demonstração
de amor ao próximo.
No
concernente à responsabilidade pelo suicídio, as compreensões da
Sociologia, Psicologia e outros saberes – como alvitra o
Investigador ora glosado - acentuam o fato de que aquele a impor um
termo à própria vida não é responsável por esse ato. Sob o
espectro eclesiástico, em contraposição, o autocida responde por
isso, pois, pelo fato de ser ato humano, comporta, minimamente, algo
de liberdade.
Além
da de perfil direto, existem outras modalidades de suicídio: o de
ordem indireta pode ser classificado de ato consciente, inspirado na
caridade heroica, de modo que se configura, de maneira equivocada,
como uma obediência aos desejos de Deus.
O
ato de se aniquilar por amor está embasado no benquerer ao próximo,
tendo como paradigma a generosidade de Jesus Cristo. A pessoa se
expõe ao martírio, acreditando solidarizar-se com os sofredores.
O
Teólogo, filósofo e bioeticista católico sob modesto exame também
protege a noção de que a eutanásia, por exemplo, é algo muito
complexo, bastante questionado, ou seja, se vale a pena prolongar a
vida em situação de sofrimento extremo, ou deixar seguir o curso
normal.
É
notório o fato de que a prática da autodestruição se dá em
qualquer instância, desencadeia-se pela existência de um vazio, uma
falta de sentido para a vida. No momento em que surgir uma centelha
de esperança, de possibilidade de uma vida feliz, certamente, o
intento de autoimposição ao fim vital é eliminado. A fé em Deus
muito contribui para afastar a infelicidade, que pode despertar a
vontade de desistir de viver.
O
autocídio nega o cumprimento do dever social e histórico, sendo o
individualismo um dos grandes agravantes para o surgimento da ideia
de autodestruição, consoante expresso em Bioética
- desafios
éticos
no
debate
contemporâneo.
4
O OUTRO COMO CONCORRENTE
O
reverendíssimo Padre Luís Antônio Bento entende – evidentemente,
como o orbe inteiro o faz – o homem com estrutura de ser social.
Quando, por qualquer motivo, se isola, começa a sofrer a solidão e
perder o sentido da vida. Falta, por parte da sociedade, atenção
para com os semelhantes.
Comum
é considerar o outro apenas como um concorrente, alguém que disputa
algo conosco. Inexiste o diálogo, uma troca sempre tão rica que se
experimenta no convívio social. A deficiência, sob este aspecto, o
sentido de proximidade, tem consequências funestas.
Na
opinião de Pellizzaro (apud
BENTO,
2008), esse questionamento é de fundamental importância, uma vez
que essa lacuna pode ensejar o desencanto em relação à vida. Na
perspectiva do Autor opinante - ora chamado pelo Padre Bento - para
se solucionar essa deficiência nos relacionamentos sociais, é
necessário algo fundamental e simples, a todos ensinado por Jesus
Cristo: o amor ao próximo.
Mera
é a proposta de aproximação, mas sua aplicação solicita a se
refletir em muitos aspectos complexos, sendo necessária uma
avaliação técnica, tanto no âmbito individual como na contextura
social. O apoio da família é muito válido nessa fase tão
delicada.
Pellizzaro
sugere, ainda (IBIDEM),
rever alguns dos valores éticos fundamentais que possam atribuir
algum sentido à vida e fortalecê-la na ocasião das crises. Desse
modo, é possível assegurar que a prevenção pertinente para o
suicídio é de ordem moral, de perfil social e cunho religioso.
De
acordo com a reflexão de Paulo [...] “Sabemos que a Lei é
espiritual, mas eu sou humano e fraco, vendido como escravo ao
pecado. Não consigo entender nem mesmo o que eu faço; pois não
faço aquilo que eu quero, mas aquilo que mais detesto. Ora, se eu
faço o que eu não quero, reconheço que a Lei é boa; portanto, não
sou eu quem faço, mas é o pecado que mora em mim. Sei que o bem não
mora em mim, isto é, em meus instintos egoístas. O querer bem está
em mim, mas não sou capaz de fazê-lo. Não faço o bem que quero, e
sim o mal que não quero. Ora,se faço aquilo que não quero, não
sou eu que o faço, mas é o pecado que mora em mim. Assim, encontro
em mim esta lei: quando quero fazer o bem, acabo encontrando o mal.
No meu íntimo eu amo a lei de Deus; mas percebo em meus membros
outra lei que luta contra a lei da minha razão e que me torna
escravo da lei do pecado que está em meus membros. Infeliz de mim!
Quem me libertará desse corpo de morte? Sejam dadas graças a Deus,
por meio de Jesus Cristo, nosso Senhor. Assim pela razão eu sirvo à
lei de Deus, mas pelos os instintos egoístas sirvo à lei do
pecado”. ( ROMANOS, 7, 14-25).
5
A MODO DE TÉRMINO
Mediante
a lúcida elocução do autor, cuja reflexão é nesse instante
objeto de exame, constantes mutações ocorrentes no meio social são
passíveis de desestabilizar as pessoas, de modo a se sentirem
inseguras e infelizes, ao ponto de se desencantarem em relação à
vida.
O
ente humano, sendo um ser social por natureza - na ocorrência de seu
afastamento do convívio com seus circunstantes - é objeto de
prejuízos incalculáveis, sendo esta causa, talvez, a que mais o
conduz a intentar contra a própria vida.
Têm
ressalto, ainda, o fator econômico, o sentimento de inutilidade, o
individualismo e a míngua de afeto.
Aquele
em decurso de entrega à própria inflição está, pois, com as
frequências cerebrais alteradas, sofrendo grande pressão
psicológica, de modo a não ter sucesso em reverter a situação até
materializar seu desígnio lastimável.
Evento
singular, lembrado pelo autor, é observável: há discreta
divulgação nos casos de suicídio. Os meios de propagação
coletiva - é verdade – suprimem e rejeitam eticamente a
possibilidade de lhe conceder visão pública. Procura-se, por
conseguinte, não tornar massiva a ocorrência, pois pode produzir
emulação em pessoas já predispostas a perpetrar esse ato tão
insólito.
Nada
justifica, por fim, a autoinflição, pois assalta a preservação da
vida e o ser humano deixa de ser útil à sociedade. Na perspectiva
do Padre Luís Antônio Bento, não se tem, entretanto, o direito de
julgar as pessoas que assim procedem. De tal sorte, então, cabe a
Deus o entendimento de tal comportamento, porquanto apenas Ele é
capaz de conhecer e compreender o coração humano.
BIBLIOGRAFIA
RECOMENDADA
1
BENTO, Luís Antônio. Bioética: desafios
éticos
no
debate
contemporâneo.
São Paulo: Paulinas, 2008.
2
BENTO, Luiz Antônio. Bioética e Pesquisas em Seres Humanos. São
Paulo: Paulinas, 2011.
3
AAVV. Dicionário de Teologia Moral. São Paulo: Paulus, 1997.
4
CONCÍLIO VATICANO II. Constituição Pastoral Galdium
et
Spes.
São Paulo: Paulinas, 2007.
5
EDIÇÕES LOYOLA. Catecismo da Igreja Católica. São Paulo, 1999.
6
EDIÇÕES LOYOLA. Bíblia Sagrada. TEB. São Paulo, 1994.
(1)
Interpretação do livro (parte referente ao suicídio) Bioética
– desafios éticos no debate contemporâneo,
da autoria de Luís Antônio Bento, como tarefa realizada para a
disciplina Bioética,
do Curso de Graduação em Teologia da Faculdade Católica de
Fortaleza, da qual é estudante Socorro Mesquita, sob a regência do
Prof. Dr. Pe. Marcos Mendes.
(2)
Socorro Mesquita é bacharela em Eventos, pela Faculdade Integrada de
Fortaleza, e concludente do Curso de Teologia da Faculdade Católica
de Fortaleza (antigo Seminário Arquidiocesano de Fortaleza). Vianney
Mesquita é docente da Universidade Federal do Ceará – prof. Adj.
IV. Acadêmico titular das Academias Cearense da Língua Portuguesa e
Cearense de Literatura e Jornalismo. Árcade novo (fundador) da
Arcádia Nova Palmaciana. Escritor e jornalista.
(Versão
Bioética Sintetizada)
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