segunda-feira, 30 de novembro de 2015

Escansão e Leitura em Prosa do Soneto Decassilábico Português Insânia Lúcida


    
Vianney Mesquita*


Sendo mentirosos profissionais, os poetas devem ter excelente memória. (JONATHAS SWIFT – Dublin, 30.11.1667 – 19.10.1745.


Na expungida visão de quem jaz vivo,
Cego visório o meu exício ensaio,
Sombrio e claro, derrotado e gaio,
Prossigo morto e retrocedo ativo.

A tempo igual, benigno e mui nocivo,
Eis que me alço e instantemente caio.
E olhando bem de frente - de soslaio -
Das afeições de inimigos privo.

Cadáver esperto, cego feito lince,
Conquanto ao mesmo instante assente e pince,
É minha insânia lúcida que exorta:

Deixa-me, então, que eu rime em verso branco,
Em semelhante destro e esquerdo flanco,
Doutas bobagens que o papel suporta!


1 NOTAÇÕES PREAMBULARES

        Intentamos situar com este escrito, desde seu sítio histórico, passando pelas classificações métricas no padrão soneto, as particularidades da peça sob apostila, até as expressões muito peculiares das produções amparadas no expediente do oximóron, aportando a explicações em prosa, em particular atenção ao leitor ainda não muito afeito ao texto poético, em suas ideias e palavras, as quais, quando do tentame do entendimento, lhe costumam soar inusitadas e, por isso, confusas e não assimiladas.
O oximóron (cs) ou oximoro (mó) é um recurso muito demandado por poetas – mais outrora do que hoje - em especial pelos estudiosos, que jamais deixam de operar com tema de tal modo agradável e necessário e indispensável para o desenvolvimento das disciplinas que dele cuidam nas instituições universitárias, maiormente nos cursos de Letras. Este descansa numa interessante figura de retórica em que se aliam vocábulos de senso oposto, parecendo de exclusão recíproca, mas que, no contexto, concedem força à expressão (HOUAISS; SALLES VILLAR, 2005), nomeadamente, se a composição subentender autor favorecido de preparo.
Na definição do Dicionário Brasileiro da Língua Portuguesa (1979, p. 1257), é a “[...] engenhosa aliança de palavras ou frases contraditórias e incongruentes, como música calada (veja-se aqui um defeito de colisão – cá-cá), humilhei-me tanto, tanto, que me elevei tão alto, tão alto, tanto, tanto”.[...].
Terminante é informarmos, também, o leitor a respeito do fato de que a peça ora comentada foi produzida de forma adrede, isto é, em tarefa procedida intencionalmente para a então matéria Língua Portuguesa, curso Técnico em Edificações, na outrora Escola Técnica Federal do Ceará, hoje IFCE, em 1965 (há 50 anos), para cumprimento de item condizente do seu ementário.
Eo ipso, o estro ocorreu de ser fabricado, sob “inspiração” produzida mecanicamente, entusiasmo aprontado com base na forma, escolha de palavras, preenchimento adequado da grade métrica, símiles de inversões e outras táticas de industriar as estâncias, motivo pelo qual o composto não se efetivou à maneira como a poesia é divisada pelo célebre poeta grão-britano Percy Bisshe Sheley (1792-1822), para quem “[...] é o registro dos melhores e mais felizes sentimentos das mentes mais felizes e melhores” (DELLA NINA, 1985, 239), porém, seca, estudada e sem gênio nem entusiasmo, tampouco fogo e calor.
 É conveniente explicar, ainda, que o todo do conjunto foi recuperado com auxílio mnemônico, porquanto neste transato ainda não havia suporte de retenção informática e as notas eram desordenadamente guardadas em cadernos e papéis soltos – e mesmo, raramente, isto acontecia – em anotações a lápis, com rasuras, adendas, riscos, garatujas, incompletudes e toda sorte de elementos misturados. Ainda assim, louvando-nos em rememoração privilegiada, obtivemos êxito no seu restabelecimento, conquanto lançando mão de artifícios ancilares para seu recobro, consoante adiante confessado.
Precisamos, honestamente, expressar o fato de não estar o complexo reconquistado absolutamente igual a quando foi executado, pois, além de aditarmos as partes incompletas, em virtude de não havermos memorizado por inteiro a matéria, se adjuntaram outras ideias, substitutivas de fragmentos que pareciam hoje inadequados. Exemplos disto veem-se na dicção do verso Dizendo fevereiro é igual a maio – derradeira unidade da segunda estância - na versão à frente reproduzida – permutado por E olhando bem de frente - de soslaio - bem como noutras três ou quatro alterações (não importa muito apontar nem esclarecer por que), seja de vocábulos, quer de notações de pontuação, considerando a nossa habilidade, no instante atual, de descodificar e reter ideações, em cotejo com o incipiente estado d’arte por nós experimentado há 50 anos, desenvolvendo programa secundário de ensino.
Lembrança de tal modo grata surgiu da leitura da crônica intitulada Golpe Democrático (ELLERY, 2015), onde o autor se reporta à deplorada imagem de oximoro, entre outras idiossincrasias, perpetrada pela Excelentíssima Senhora Presidente da República, convenientemente comentada pelo mencionado autor, não nos concertando, pois, de seu texto, proceder a adendos nem fazer reparos.
Prefalado escrito foi lido em 11.10.2015, dia inteiro que gastamos à demanda do manuscrito deste decassilábico português de nossa progenitura, pois, naquele tempo, conforme ensaiamos exprimir em passagem anterior, ainda tinha bom curso a craveira do soneto, e havia um grupo de estudantes que primava pela composição artística nesse gradil.
O texto diligenciado – conjunção de estrofes objeto deste artigo – não foi encontrado e o jeito que tivemos foi preencher os claros da retentiva, a fim de integralizar as poucas passagens não apreendidas de cor, para aprestar seu teor completo e, neste lance asado em excelente ocasião, proceder a comentários para proveito – esta é a intenção – dos consulentes curiosos, demandantes de notícias atinentes a esse plano de estudo – versificação.
O expediente susorreproduzido, na medida compositiva do soneto, foi gestado a instâncias de peça com igual bitola, do conjunto inspirador de Luís Vaz de Camões (1953), do qual reeditamos o quarteto inaugural:

Amor é um fogo que arde sem se ver,
É ferida que dói e não se sente,
É um contentamento descontente,
É dor que desatina sem doer.

Com vistas a situar melhor, em especial, o consulente ainda visitante desde assunto, na decodificação das ideias ora esposadas, o módulo sequente deste artigo delineia a rota histórica e a configuração física dos divisórios do soneto, no propósito de facilitar sua leitura e interpretação, concedendo-lhe a oportunidade de proceder às próprias inferências. Aproveitamos, também, para refletir a respeito do modus operandi na marcação das vertentes informativas aqui realizadas.

2  SUBSTRATOS LITERÁRIOS

        No corrente segmento, fornecemos rápidos acessórios históricos, com apoio na literatura, aliás, no correr de todo o texto aqui sob relação, em particular nas obras de referência, com o adjutório dos intelectuais Sânzio de Azevedo (1997), Raul Moreira de Lellis (1970), Geir Campos (1960), Amorim de Carvalho (1991), Leodegário Azevedo Filho (1971) e os demais mencionados nas Referências Bibliográficas, acrescendo-se informações de domínio público.
Com referência à obra liberada dos onera dos direitos autorais – antes de adentrar a rota da medida italiana sob estudo, aproveita, em parêntese mesmo dilatado, rememorar pedagogicamente para o leitor o fato de que a expressão domínio público conota, entre outras, a ideia de

[...]2 condição de uma obra (artística, invenção, desenho industrial etc), que pode ser livremente reproduzida, apresentada ou explorada, sem necessidade de autorização ou pagamento de direitos autorais, por esgotamento do prazo previsto em lei ou por outro motivo que tenha feito expirar a propriedade intelectual [...] (HOUAISS; VILLAR SALLES, 2005).

No nosso sentir, entretanto, mesmo liberado o direito autoral, quando da utilização informacional em obra escrita, convém indicar a fonte, salvante os casos de nomes de pessoas, datas, feitos e fatos históricos recuados ou muito antigos, desde as primeiras comunicações humanas sob registro, recepcionados pelos traslados em suportes de papel ou gravações eletrônicas, alcançados pelo ser humano no decurso ordinário da vida, ou em locus formais de instrução, como as escolas secundárias e a universidade.
 Não se nos afigura, pois, obrigatório, ex-positis, enunciar a fonte da informação, por exemplo, de que o imperador latino Nero tocou fogo em Roma, fato repisado incessantemente pelos livros didáticos de História Antiga e outros veículos de propagação do saber, ao correr de tantos séculos. Quiçá em razão dos detalhes – o nome completo de Nero e a data do incêndio – se entenda mandatório o registro da referência, no caso, e.g., da notícia histórica de que uma pessoa chamada Lúcio Domício Nero Cláudio – o Imperador Nero – ateou fogo na Cidade Eterna, exatamente, no dia 18 de julho de 64, a.D., consoante nos informam Lello e Lello (1983, p. 335-2.v), sem referência no verbete (Nero), decerto, pelo fato de os editores consignarem essa providência como uma desnecessidade.
 Se, por conseguinte, todas as vezes que o produtor de um escrito neste mencionar um fato antigo, velho, muito pretérito e até de mais de cem anos, como o do modelo (no caso de Nero), tiver de referenciar seus informantes, resta impossível fazê-lo, em razão da lista imensa de pessoas reportadas ao evento. Terá de retroceder a Tito Flávio JOSEFO (Yosef bem Mattityahu – 37-100 a.D – com 27 anos quando do famoso incêndio)? A Públio Cornélio TÁCITO (56-117 a.D.) – mais novo do que Josefo e que deve haver se referido a este? Ou a Caio SUETÔNIO Tranquilo (70-150 a.D.), cujas obras são mais recentes do que as de Josefo e Tácito, não contemporâneo da ocorrência do exemplo, pois nascido seis anos depois?
        Tivemos, a esse respeito, o ensejo de deparar em Botelho (2014), na obra escrita acerca da corte de Henrique VIII, a ideação de que, a fim de basear suas informações sob o prisma histórico, ela se utilizou de enciclopédias, dicionários enciclopédicos e ensaios, “até porque” - exprime – “[...] não presenciei, evidentemente, as ocorrências, do mesmo modo como, também, os autores das edições consultadas não o fizeram”. (P.11). Sob a óptica autoral, Botelho informa, ainda, que algumas dessas produções já caíram em público domínio, “[...] ao que se ajuntam os aprendizados por mim adquiridos no ambiente da escola formal e no tirocínio da vida”, (IDEM, IBIDEM), no que nos parece não lhe falecer motivo.
        Ainda na carreira do seu raciocínio, por conseguinte, os informes, pensamentos e ideias expendidas para exame de uma situação experimentada antes do Descobrimento da América - em 20.06.1491, data de nascimento do Monarca retratado – jamais poderiam resultar da sua precisa autoria, senão as inferências e conclusões. Isto porque, não participando, in situ, das ocorrências, resulta impraticável a qualquer historiador levar à frente as descrições, caso não se louve em escritores assentados em narrações de outras pessoas, “[...] as quais se embasam em autores mais velhos, e, assim, até aportar ao período da dinastia Tudor”. (IDEM IBIDEM).
        De tal maneira, a modo de término, a Escritora solicita a compreensão, pelo leitor, do fato de que toda a sua narrativa respeitante à série dos soberanos Tudores

[...] se baseia no registro gravado, escrito e transmitido, por gerações inteiras, de modo que ninguém pode se arvorar de autor singular desta história e de outras quaisquer, senão os que (há muito tempo desaparecidos) foram coetâneos de Henrique VIII e seus circunstantes, vertentes primárias das ocorrências retransmitidas. (BOTELHO, 2014, pp.11-12).



3 LIGEIRAS NOTAS AO ITINERÁRIO DO SONETO

Consoante anunciado, após essa relativamente comprida intermissão, e com arrimo nas considerações agora rematadas, no concernente ao apontamento de fontes librárias, vamos indicar, nesta seção, o caminho verdadeiro tomado pela composição do tabique petrarquiano sob análise.
Parecendo pacífica a informação de setores acreditados da literatura de proceder do étimo provençal sonet, esta medida foi cultivada e cultuada por próceres influentes da arte literária pré-humanista, em todo o curso do Renascimento e depois deste reluzente estádio da cultura e civilização ocidentais.
O estalão poético sob comento experimentou largo tempo de mudanças, consistindo em relevante fato a determinação de uma maneira fixa, concisa e agradável, promovida por um conjunto de versejadores da Sicília, sob a destra de Jacopo da Lentini. (Lentini é uma cidade da Sicília-Itália, antiga Leôncio, arrasada no século XII por um terremoto, conforme LELLO ; LELLO, 1983, p. 51 v.2).
Não demora, também, referir que este grupo, a que Dante Alighieri (1260-1321) chamou de Scuola Siciliana (n’A Eloquência Vulgar), reunia-se em torno do Imperador Frederico II, de Hohenstaufen (1194-1250), espécie de Mecenas, cujo secretário era Pietro dele Vigne (suicida no inferno  dantino – Divina Comédia), e era constituído, dentre outros, por Cielo d’Alcamo, o mencionado da Lentini, Ruggiero Apugliese e Giacomo Pugliese, todos eles cultores do soneto.
Conquanto os desacordos em relação à origem, Azevedo entende, por via de depoimento do canindeense Cruz Filho (1894-1974), que esse sistema estrófico parece “ter tido ele por berço a Itália ou, com mais (sic) precisão, a Sicília (CRUZ FILHO, 1961, p.9, apud  AZEVEDO, 1997, p. 191), corroborando, assim, informe imediatamente anterior.
Francesco Petrarca (1304-1374) foi um humanista toscano, natural de Arezzo, a quem equivocamente se atribui o invento desse estalão poético. Na verdade, foi seu divulgador na Itália, empregando sua fórmula para cantar, nas Rimas, seus amores, tão propagados via História, pela bela mulher de Hugues de Sade (ancestral do célebre escritor francês, o Marquês, que passou à história como “sadista”), por quem se apaixonou à primeira vista.
De saber profundo, erudito, historiador, arqueólogo de manuscritos, investigador de crase a respeito de coisas antigas, Petrarca encontrou as Instituições oratórias, em 12 livros, de Marco Fábio Quintiliano, retórico e pedagogo hispano-romano (35 a.D. – 95 a.D ), e boa parte das Cartas de Marco Túlio Cícero (03.01.107 a.C. – 07.12.43), Entre outras relevantes embaixadas, foi encarregado pela Igreja de importantes ofícios diplomáticos, tendo legado à posteridade copiosas obras em latim, poesias, entre as quais, a África, a respeito da segunda Guerra Púnica (Roma versus Cartago, em três conflitos).

Actualmente a sua glória assenta nas poesias em linguagem vulgar, ou Rima (sonetos, canções e cânticos), que compôs em honra da bela Laura de Noves e que, pela pureza e encanto da forma, contribuíram para fixar o idioma italiano. (LELLO; LELLO, 1983, p.533).

Da Itália, uma vez sancionado pela ação petrarquista, o poeta, comediógrafo e literato coimbrão Francisco Sá de Miranda (28.08.1481 – Amares, 17.05.1588) levou a medida para Portugal, ali a introduzindo no doce estilo novo da nossa língua, na primeira metade do século XVI.
É propício fazer o consulente atentar para o fato de que a expressão Doce estilo novo  (Dolce stil nuovo) procede de Dante Alighieri, n’A Divina Comédia, parte do Purgatório, empregada para retratar a poesia da sua juventude, bem como de outros artistas da poética de então (século XIV), congregados em Florença (Toscana).
Consoante preleções de Massaud Moisés (2004), encetado por Guido Guinizelli (Bolonha, cerca de 1230 – Monselice, 1276) - de quem Dante se dizia seguidor - Il dolce stil nuovo agrupava, além de Alighieri, Guido Cavalcanti (1259?-1300), Lapo Giani (1250?-1328?) e Giani Alfani (1270?-1336/7).
Lembra Moisés que o doce estilo novo se apropriou do lirismo trovadoresco de Provença dos poetas da Sicília, mencionados há pouco, aunados à Corte do citado monarca do Sacro Império Romano-Germânico, ao apreciarem as compreensões das linhas filosóficas em voga, incluindo os escolásticos e patrísticos – Agostinho de Hipona, Tomás de Aquino, Guilherme de Occam, Jean Buridan, João Escoto Erígena, Bernardo de Claraval, Anselmo de Cantuária, todos eles religiosos cristãos, componentes do clero alto - bem assim acerca das especulações do Filósofo de Estágira, incluindo-se os aristotelistas.
Todo esse sentimento cultural em franca amplitude – alvitra o compatrício sucessor docente de Antônio Soares Amora (que, por sua vez, foi nesse sentido herdeiro do mestre lusitano Fidelino de Figueiredo) – provinha da ebulição ocorrente na Universidade de Bolonha, a mais antiga instituição acadêmica, criada no último ano do século XI, onde o dolce stil nuovo se fazia compreender como nova ideação de amor, pois, conforme sua inteligência, apenas o cuor gentile (móvel de uma canção de Guido Guinizelli), “[...] o coração nobre, límpido, é capaz do verdadeiro amor, e, em contrapartida, o amor apenas habita o cuor gentile” (ID. IBID.), pressupondo, também, a noção de que a gentilezza  não se espalha por hereditariedade, pois valor inerente à pessoa humana.
                              
[...] apto a despertar sempre que enfrenta uma dama de beleza física e moral (sic), o amor deve elevar os seres, platonicamente, de grau em grau até a contemplação suprema das ideias puras; entrevisto como sentimento espiritual, ao Amor transfigura os amantes pela visão de uma bem-aventurança para além da fusão dos corpos. (MOISÉS, 2004, p. 131).

Com vistas a manifestar a expansão transportada pelo amor, os artistas do doce estilo novo – é ainda, a reflexão de M.M. - recorriam a estados técnicos matematicamente exatos – ao molde dos sonetos - malgrado acentuadamente fechados, sem abertura para opções de forma, porta-vozes do “concurso da artesania e da inspiração”: como a demanda pela gentilezza da forma, o modelo perfeito para sua elevação amoravelmente terna, os artesãos poéticos do doce estilo novo apreciavam a assistência da Arte Musical, pois esta concorria a fim de conferir ao verso a ambicionada “doçura”.
Com efeito, a modo de remate da reflexão de Massaud Moisés, expressa na obra sob escólio e ao nosso jeito interpretada, denota-se o fato de que sensibilidade e conceito se integralizavam, de tal maneira, para propiciar uma inclinação poética constitutiva de um liame firme entre o entusiasmo lírico expresso em língua d’Oc e o platonismo erudito que se desdobrou no Cinquecento.
A língua d’Oc, occitana ou provençal, impõe-se informar – é o conjunto dos falares regionais do Sul da França (limusino, provençal, auvérnio, provençal alpino, franco-provençal e gascão). No caso de seu emprego aqui no artigo, conota a ideia de antigo provençal – língua falada pelos trovadores da Provença. A denominação comum occitano procede dos estudiosos das línguas românicas, que o derivaram da região – hoje, Alpes Altos, Baixos e Marítimos, Bocas do Ródano, Var, Córsega e Valcluse. A Provença foi ajuntada à França em 1487, sob Carlos VIII (LELLO; LELLO, 1983).
Frédéric Mistral, por exemplo – e entre muitos outros de renome – foi um escritor francês de língua occitana, nascido em Maillane (08.09.1830-25.03.1914), pequena cidade de pouco mais de 2 mil e 300 habitantes localizada na Provença.
Devidamente explicitada a ideia de doce novo estilo – assim nos afigura – prosseguimos com o roteiro do molde soneto, recorrendo à taxinomia de Amorim de Carvalho (1991, 104), ao trazê-lo como o supinamente famoso sistema de versos, “e que os clássicos levaram à mais alta perfeição formal”, elaborado com quádruplo conjunto isométrico, portanto, em catorze versos – dois quartetos e dois trísticos - transportando a harmonização dos versos da primeira para a segunda quadra, bem como do primeiro para o segundo terceto, segundo pode ser conferido nesta nobílima composição decassilábica do Poeta da Vila Cruz do Espírito Santo-PB, Augusto (de Carvalho Rodrigues) dos Anjos:

                               V A N D A L I S M O

Meu coração tem catedrais imensas,/ Templos de priscas e recuadas datas,/ Onde um nume de amor em serenatas/ Canta a Aleluia virginal das crenças.
Na ogiva fúlgida e nas colunatas,/ Vertem lustrais irradiações intensas/ Cintilações de lâmpadas suspensas /E as ametistas e os florais e as pratas. (Transferido de cor);
 e nestes trísticos de nossa autoria:

                               O T I M I S T A
E assim, descortinando a humana essência,/ Bem fundo guardo em minha consciência/ O sempre me haver bem com toda a gente.
Quando Ele me tirar a vida, então,/ Arrepender-se-á da decisão/ E acederá que eu viva novamente. (MESQUITA, 2013, p.163).

        Amorim de Carvalho (OP. CIT, 106) chama a atenção para o fato de que o decassílabo – como é o móvel deste estudo desambicioso, “é o verso do próprio soneto, reputado o mais belo e grave. Só modernamente tem sido desrespeitado o uso exclusivo desse verso” [...].
De acordo com a classificação de Sânzio de Azevedo (1997), o soneto possui, hoje, quatro esquemas básicos de acentuação, porém reconhece outros delineamentos, cada um com suas variantes.
        Em nosso trabalho intitulado Reservas da minha étagère – Aproximações literocientíficas (Arcádia Nova Palmaciana/Expressão Gráfica e Editora, Fortaleza, 2015, 388 p), na página 61, está expressa a noção de que, a propósito do uso corrente do estalão siciliano, Azevedo (1985), em um capítulo a respeito do excepcional escritor e poeta cearense Otacílio Colares – 01.09.1918-06.04.1988 – sugere ao leitor outro ensaio de sua lavra, reportando-se à chamada Geração 45 (in Poesia de todo o tempo, Edições Clã, 1970, pp. 63-8). A ideia é chamar a atenção com vistas ao redisciplinamento do verso, regenerando, em consequência, as matrizes poemáticas, nas quais é inclusa a forma (ô) siciliana. Ali, Azevedo noticia o fato de que o soneto chegou a ser quase proscrito da literatura brasileira.
Comprova esse asserto, sob alvitre desse renomeado professor cearense, a circunstância de que, em 1936, o crítico literário e musical, autor de obras de ficção e ensaios, curitibano José Cândido Andrade Murici, publicou uma seleta de textos intitulada A Nova Literatura Brasileira, a qual não acolheu qualquer dessas peças de forma fixa.
Esse quase-banimento – adita Azevedo – procedeu de uma epidemia deste estalão de verso que invadiu o País de literatura pré-modernista, fato a ensejar a ensancha de o escritor paulista Cassiano Ricardo (1895-1974) lobrigar na antiga composição da Provença a pandemia do Sonetococcus brasiliensis, muito embora aquele vate do vale do Paraíba do Sul, em 1938, creditasse o soneto à conta das “[...] nossas mais caras recordações”.(RICARDO, in AZEVEDO, 1985, p. 102).
A regeneração dos padrões fixos, decerto operada aqui com o concurso da Geração 45, no Ceará, teve efeitos em poetas mais novos, cuja poesia tem como forma de preferência o gradeado do soneto.
É proveitoso repetir o fato de que – como já opinamos em livro (MESQUITA, 2013, p.180) – o soneto composto em seu tabique definitivo é forma relativamente fácil de trabalhar. Suficiente para tal assenta em o autor atender suas normas de operacionalização, respeitar as regras da língua, acatando os ditames da versificação, mesmo empregando a munificência poética, e preenchendo, convenientemente, os lugares das sílabas. Não é necessário grande saber, é dispensável a erudição, conquanto esses atributos confiram aos sonetistas, evidentemente, maiores possibilidades de consoar mais substanciosas, cadenciadas, harmônicas e conceituosas estâncias.
A forma do soneto, uma vez recuperado o prestígio depois das fulgurações do Modernismo, fundamentalmente marcado pela Semana de fevereiro de 1922, tem nos versos decassilábicos, como o são os de Insânia Lúcida, importante suporte da poética brasileira, após o hiato originado da “praga” aludida pelo autor de Apolo versus Dionisos.








4 LEITURA E INTERPRETAÇÃO EM PROSA

4.1 Significado de oximoron

Consoante já ensaiado na estreia deste texto, sob o ponto de vista da procedência etimológica, a palavra oximoro ou oximóron, no plural, e oximórons e oximórones, é retirada do grego oksúmoron, ou, junção inventiva de vocábulos discrepantes, substantivo neutro do adjetivo oksúmorus, os, on, que, em exterioridade simples, porém, no contexto, parecem autoexcludentes, guardando um sentido profundo, reforçando a expressão, como, v.g., em fiel culpa, grito silencioso, obscura claridade, “ferida que dói e não se sente” (L.V.C.), terrível bondade, silêncio eloquente et reliqua, concedendo, pois, sob intermédio da aparência contraditória, elegante expressão ao pensamento.
Consoante Houaiss e Villar Salles (2005), advém de oksús, ela, u – agudo, sutil, fino; e  morus,  embotado, embrutecido, insípido, tolo, louco, sem bom senso; pelo latim oxymorum,, i, id, sendo que a prosódia em português segue a latina, não a helênica.
Um das mais famosas peças arrimadas neste expediente motor de versificação é o decassilábico português camoniano, com versos predominantemente heroicos, isto é, com ictos nas sextas e décimas sílabas. Sua estrutura é de dois membros, com informações repetidas em enunciados antitéticos, porém, de fundo absolutamente lógico, característica primordial dos oximórones.
Sem dúvida, é um belíssimo soneto, entretanto, a exagerada cadeia anafórica repetitiva da terceira pessoa do singular do verbo ser nos parece importuna, ocorrente no começo de cada linha da estrofe (salvante a primeira da composição) dos quartetos e do primeiro trístico inteiriço, de modo que o “É” está em dez versos de três estanças – três da primeira, quatro da segunda e os três da terceira.
Eis a peça reproduzida:
O amor é um fogo que arde sem se ver;/ É ferida que dói e não se sente;/ É um contentamento descontente;/ É dor que desatina sem doer.
É um não querer mais que bem querer;/É um ardor solitário entre a gente;/ É nunca contentar-se de contente;/ É um cuidar que ganha em se perder.
É querer estar preso por vontade; / É servir a quem vence, o vencedor/ É ter com quem nos mata, lealdade.
Mas como causar pode sem favor/ Nos corações humanos amizade, / Se tão contrário a si é o mesmo Amor?

Da maneira como confessado ao ser ferido este ensaio, aliás, tomamos tento em reiterar, destituído de maiores pretensões, o Insânia Lúcida - título “oximoricon” por excelência - teve a grade preenchida e os versos consoados, sem que estes contivessem no seu conjunto um moto, uma inspiração de fundo moral ou significação poética condensada, denotativa das razões de ser da poesia, com seu zênite coroando, em grand finale, a evolução compositiva. Restou, pois, o preenchimento exato dos claros métricos desse móvel poético, composto – reafirmamos – sem estro nem fogo nem paixão nem transporte nem ardor, tampouco sentimento, eis por que é por nós reconhecido seu valor mais pequeno como poesia.
Impende-nos, agora, transmudá-lo em prosa, para depois escandir-lhe os versos e rematar o assunto.

4.2 Escansão
INSÂNIA LÚCIDA
Na ex -pun -gi – da- vi –são- de –quem- jaz (vi)vo,
Ce - go - vi - só - rio o-meu - e-xí -cio en (sai)o,
Som-brio - e - cla - ro – der-ro-ta-do e (gai)o,
Pros-si-go- mor-to e- re-tro-ce-do a (ti) vo.

A –tem-po i-gual, be-nig-no- e- mui- no (ci)vo.
Eis- que- me- al-ço- e ins-tan-te-men-te (ca)io.

E o-lhan-do- bem- de- fren-te – de sos(la)io,
Das- a-fei-ções- de- ini-mi-gos (pri)vo.

Ca-dá-ver es-per-to,- ce-go- fei-to (lin)ce,
Con-quan-to ao- mês-mo ins-tan-te as-sen-te e (pin)ce,
É-mi-nha in-sâ-nia-lú-ci-da- que e (xor)ta:

Dei-xa-me, en-tão, que eu- ri-me- em- ver-so (bran)co,
Em- se-me-lhan-te- des-tro- e es-quer-do (flan)co,
Dou-tas-bo-ba-gens- que o- pa-pel- su(por)ta.

        Sânzio de Azevedo (1997) entende hoje como elementar, na língua portuguesa, o fato de, ao se proceder à escansão de um verso, hic est, somar as sílabas métricas, dever-se estancar a contagem na última tônica, no caso dos decassílabos, conforme estão entre parênteses na Insânia Lúcida, logo acima.
        A seu turno, Amorim de Carvalho (1991) lembra, também - e isto é atualmente rudimentar – que, na adição das sílabas, estas se fundem conforme a pronúncia, fato constitutivo do expediente da sinalefa, que repousa na transmudação de duas ou mais sílabas em uma apenas, por meio de sinérese, elisão ou crase. Tal situação é divisada, por exemplo, no primeiro e no segundo versos do derradeiro trístico do soneto sob relação, com sublinhas (que eu e es), de modo que se contabilizam apenas as depleções de voz individualmente bem distintas, cada emissão denominada sílaba prosódica ou métrica. Ele exemplifica com dois versos de Luís Vaz de Camões:
Deu–si-nal-a– trom– be-ta –cas-te-lha-na,
Hor-ren-do, fe-(ro, in)-gen-(te, e)-temeroso.
Já em ... E o Verbo se Fez Carne – textos bíblicos consonados, na Cota Técnica explicativa daquelas medidas de arte menor, conforme a taxinomia da versificação, chamamos os cuidados do leitor para o emprego, na elaboração da grade estrófica, dos expedientes figurais de adição, subtração e fusão silábicas – síncopes, apócopes, sinéreses et coetera – antes que ele pudesse equivocamente achar que o número de sílabas está incorreto, porquanto ali cogitamos no verso de sete sílabas, consoante é requerido pelo setessilábico do redondilho maior, empregado naquele trabalho, no sistema isossilábico, porém heterorrítmico (MESQUITA, 2004, p. 27).
Aliás, o professor doutor Rafael Sânzio de Azevedo - hoje, sem contestação, autor de nomeada internacional em língua portuguesa no terreno da História da Literatura lusofônica, e, também, tratadista de versificação respeitado e acreditado no Brasil, Portugal e nos outros sete Estados Nacionais onde se cultiva e cultua a nossa língua – já chamara atenção para o fato de que

[...] a contagem das sílabas nos versos não corresponde à da contagem das sílabas gramaticais. E isto não apenas pelo fato de irmos apenas até a última tônica; há outros elementos em jogo.

        Assim são os metagramas e outros tropos, e que Rogério Chociay, mencionado por mestre Azevedo (OP.CIT, p. 17) denominou de Processos de Acomodação. (1974, p. 16).

4.3 O Soneto Insânia Lúcida feito prosa – Palavras Finais

        Expressamos mais de uma vez, porém não demora repetir, o fato de a feitura desta peça haver exclusivamente perseguido, como tarefa acadêmica, há meia centena de anos, no hoje Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia – IFCE, o preenchimento do trançado decassilábico português sob a forma contradita das palavras e objeção de suas ideias, conforme miudemente expendido no decorrer deste escrito. Tal configura o recurso do soneto oximóron, elaborado cum grano salis, sem havermos atentado, pois, para o necessário rigor com vistas à consecução de um desenredo poético moral, nobre, distinto e sentencioso, como sói acontecer com peças de tal compleição estética; e até por que, também, os haveres requeridos para esse patim intelectivo ainda estavam um tanto distantes de nos assomarem (na verdade, parece que nunca nos apareceram) na qualidade de jovem normal, longe dos engenhos, cujo “borbulhar” genial alcançou, aos 17 anos, em 1864, a Antônio Frederico de Castro Alves, idade com a qual escreveu o poema Mocidade e Morte (“Eu sinto em mim o borbulhar do gênio”) e outras obras de fôlego, mesmo tendo marcado o exício da existência com apenas 24 anos (1847-1871).
 Seu contemporâneo, antecessor na criação literária e também vítima do chamado Mal do Século, Luís José de Junqueira Freire, com genialidade, escreveu poesia lírica, religiosa, filosófica e amorosa, malgrado a vida lábil de 23 anos (1832-1855), conforme o foram, ainda, Luís Nicolau Fagundes Varela, mais “longevo” (1841-1875, 34 anos) e Casimiro José Marques de Abreu (04.01.1839-18.10.1860), este desaparecido aos 21 anos, os quais deixaram de herdade produções que dignificam a literatura do País.
 Fora do Brasil, entre centenas de quase-crianças, também pontificaram talentos além dos lindes da normalidade, cobrindo todos os saberes das ciências, da tecnologia e das artes, ainda hoje mentores das porções escolhidas para cultuar e esquadrinhar. Um dos incontáveis exemplos está em Lev Semenovich Vygotsky, psicólogo educacional bielo-russo, nascido em Orsha em 1896 e cujo óbito sucedeu em 1934, com apenas 38 anos. Descoberto pelos estudiosos somente depois de seu passamento, hoje ainda pontifica como dos principais teóricos das ciências da Educação, ao lado (ou até suplantando) de personalidades como Jean Piaget, Henri Walon, Alexander Romanovich Luria e muitos outros cientistas de escol.
        Mesmo assim, talvez tenha valido executarmos esse exercício, aos 19 anos de idade, no trajeto do qual nos foi possível e necessário apreender algo, decerto, correspondente, até hoje, a percentual quase desprezível do todo que há de conhecimento a granjear. Agora, quando celeremente adentramos a sétima dezena etária, reconhecemos, com modéstia e compostura requeridas, muitos problemas de instrução, menos por defeito da escola formal, do antigo primário aos estudos de pós-graduação, e mais pelo que restou apropriado na dobrada partida do débito, preconizada pelo monge franciscano da Itália, Luca Pacioli – aqui na Contabilidade da vida - em razão da autodidaxia frugal e defeituosa, descansando agora o fato, como dizem as pessoas do povo, na casa do sem jeito.
 Quedamo-nos, porém, consolado com aquela verdade expressa pelo enorme pensador francês Michel Eychem de Montaine, para quem a mera ignorância, que confiava inteiramente nos outros, era muito mais salutar e sábia do que o nosso saber verboso e vão, pai de presunção e temeridade. Guardamos, pois, a convicção de que também não escasseava motivo ao filósofo austríaco Karl Raimund Popper, ao adotar o entendimento conforme o qual somos todos cegos convencidos de que saber e ignorância são vizinhos.
        Eis, enfim, depois das talvez desnecessárias alusões parentéticas, o texto-prosa do Insânia Lúcida, onde são visíveis de imediato as expressões paradoxais, as contradições e desconchavos elocutórios que identificam os oximórones, no entanto com métrica cheia e rimas executadas conforme determinam as regras de versificação.

LOUCURA SENSATA

1 Na visão inexistente de quem está morto, mas vive, um cego enxerga e experimenta sua morte. Ele é todo escuridão e, a igual tempo, claridade; está derrotado, porém alegre. Em frente, ele vai morto, no entanto volta vivo.
2 No mesmo passo em que se mostra bom, se expressa como adverso, deletério. Levanta-se e cai. Olha bem de frente e de lado, privando, por sua vez, do benquerer dos inimigos.
3 Defunto “vivo”, vivaldino, pessoa desprovida totalmente de visão, mas, feito um lince, animal que enxerga até no escuro, embora em igual hora coloque e retire, sua loucura sensata incita:
4 Pedindo, então, que ele rime, como se isto fosse possível, em verso branco (não passível de consoar), com o lado direito e sinistro iguais, as inteligentes tolices aguentadas pelo papel onde escreveu.
        Conforme é possível divisar, os oximórones estão absolutamente claros nas incoerências expressas nas palavras e sem-razões extraídas do todo do poema, com, talvez, um fecho: “doutas bobagens” são disparates, absurdos inconcebíveis, conversa desassisada, não conducente a nada. Prosa tola. Água, na expressão da palavra nordestina. E papel nenhum suporta água [...]
        Quod erat demonstrandum.

BIBLIOGRAFIA

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NINA, A. Della. Dicionário da Sabedoria.  São Paulo, Fitipaldi, 1985.



*OBS. Terminei de escrever este texto às 11h26 min do dia 03 de novembro de 2015. 

Os Ensaios de 'Nuntia Morata'





Batista de Lima*


Ler Vianney Mesquita é resgatar a esperança nos ideais culturais e no milagre da inteligência. (GENUINO SALESda Academia Cearense de Letras).

                                                                                                                     



É uma temeridade escrever sobre Vianney Mesquita. Ele vai encontrar achegas e adminículos. É tanto que sobre esse seu livro, “Nuntia Morata”, vai protestar pelo emprego do vocábulo “ensaios” no título deste despretensioso texto, haja vista que esse seu volume também é feito de “recensões”. Logo em seguida, reclamará das aspas cercadoras do título da obra, que já aparecem no terceiro período do escrito. Vai escrever-me uma missiva para avisar que títulos de obras precisam vir em itálico, negrito ou sublinhado, jamais com aspas. Não tem problema, aprenderei com suas lições, como o faço há tempos. Se não evoluí a contento, não foi por culpa do mestre, mas por incompetência do discípulo.
Vianney Mesquita é um guardião da Língua Portuguesa. Tanto por ela prima, que hoje é difícil encontrar alguém com tanto zelo no trato da última flor do Lácio. Suas notas são trabalhadas com tanta mestria que o leitor se farta da volúpia linguística, ao ponto de se achar diante de um escultor, cujo pincel é a pena, sendo a tinta palavra debutante. Transita das raízes da língua às experimentações mais sutis. É tanto que, ante a indigência vernacular que se abate por sobre grande parcela da juventude atual, esse “Arquiteto a posteriori” reverbera sua vociferação na retaguarda dos cânones da língua de Camões. Sua erudição possui raízes gregas e latinas ao tempo em que, no claustro, vasculhava das tragédias de Sófocles às Catilinárias, da Ilíada à Eneida, com a desenvoltura dos grandes ascetas.
Entre os ensaios expressos no livro, destaque-se “Um Pobre Homem da Póvoa do Vazim”, em que Vianney Mesquita não fica apenas como “voyeur” do prazer sobre os textos que outros críticos elaboram. Ele vai mais além e, numa pesquisa fundamental, acresce outras descobertas sobre a obra de Eça de Queirós.
Quando trabalha o lado jornalístico do Escritor português, mais distante vai, por ser sua área de atuação, por muitos anos, como professor de Comunicação da Universidade Federal do Ceará. A respeito das influências de Eça sobre a Literatura Brasileira, ele cita Oliveira Paiva e Aluísio de Azevedo.
Outro ensaio seu de cunho didático é “Deslizes na Escrita - Impropriedades do Discurso”. Baseado na sua experiência adquirida como orientador e revisor de textos universitários, esse trabalho não envereda pelo vezo de alguns escribas que fazem sensacionalismo sobre os erros que encontram nesses escritos. Mesquita mostra os equívocos, mas exprime todo um apanhado de soluções para os deslizes que aponta. Seu trabalho traz, portanto, um objetivo educacional, tendo em vista que o leitor termina por aprender a forma correta para sua escrita. Todas as suas formulações vêm justificadas com suporte nas citações das fontes consultadas.
Apesar de o livro se acusar, além do título, de Ensaios e Recensões, há alguns textos intermediários, que talvez não se enquadrem nessa nomenclatura. São os casos de “Palavras que ensinam”, página 71, e “Edificação de um livro”, página 355 - excertos que não necessitam de rótulos, apenas que sejam entendidos e assimilados, preparados a fim de exercitar a cerebração. Para isso contribuem a sinonímia variada e o pleno aprumo como a frase é lapidada. Surgem, então, notações desengorduradas, em que a palavra vem com uma ossatura reforçada para a sustentação do volume de sua significação. Sua seleção vocabular prima pelo bom relacionamento entre as palavras nas vinculações sintáticas e semânticas.
Vianney Mesquita é um purista. Já produziu em torno de duas dezenas de livros, todos em defesa do bom falar e do melhor escrever. É hoje um dos raros intelectuais cearenses a praticar a crítica literária. E o faz com a argúcia do olho clínico. Na assepsia procedida nos textos acadêmicos que revisa e às vezes até reconstitui, não perdoa excessos nem vilipêndios linguísticos. Para isso possui o domínio do vernáculo, adquirido por décadas de docência e decência universitária, sem falar na aprendizagem clássica dos tempos de estudos no Seminário da Prainha. É uma permanente sentinela do nosso patrimônio linguístico.
Essa preocupação com o saber e com a melhor fórmula para sua disseminação levou o escritor Vianney Mesquita a elaborar a melhor peça da publicação - “Saber interdisciplinar na ciência da comunicação”. Este pode ser considerado o ensaio culminante do trabalho sob comentário. O saber é um grande sistema marcado por uma capilaridade em que nada existe só. As grandes conexões da ciência estão ativadas. Passou o tempo da departamentalização dos saberes. O isolamento e a retenção do conhecimento são prejudiciais à aprendizagem. Por isso que esse ensaio adquire uma mensagem didática, principalmente para os operadores do conhecimento. A interdisciplinaridade é uma forma de democratizar o saber.
Após a leitura desses ensaios e recensões, o leitor se acha aliviado por concluir que ainda existe crítica literária no Ceará. É evidente que ela não corresponde ao volume da produção local, mas o trabalho de Vianney em garimpar o que aqui se produz de bom é um alento para quem escreve. Seu mérito maior, entretanto, está na forma como escreve. A Língua Portuguesa é tratada com esmero. A frase é submetida a um polimento que só os grandes amantes do vernáculo conceberam exercitar. É desse tipo de cultivador que precisamos, diante de tantos estrangeirismos e empréstimos linguísticos que imputamos ao nosso código linguístico. Vianney Mesquita está atento a tudo isso. Portanto, os usurpadores do nosso idioma fiquem atentos: ainda temos verdadeiros defensores da amada “Dvlcisonam et canoram língvam cano” , divisa da nossa – minha e dele – Academia Cearense da Língua Portuguesa.
     
                                                      

*Batista de Lima é pedagogo, bacharel e mestre em Letras, escritor fecundo, professor universitário, dos lavrenses mais ilustres, como Dimas Macedo,  Filgueiras Lima, Linhares Filho, Joaryvar Macedo e tantos outros. Pertence às Academias Cearenses de Letras e da Língua Portuguesa.



NOTA DO EDITOR

É possível ao leitor que não conhece nosso acadêmico Vianney Mesquita, a julgar pelas informações que concede o escritor Batista de Lima, alcançar a ideia de que ele é ou foi sacerdote católico ou seminarista por longos anos.

Na verdade, ele apenas foi iniciado no Seminário Arquidiocesano, em Fortaleza, não chegando nem a completar um ano de internato, porém reconhece nos colegas internos a influência cristã e o influxo literário que presidiram seus escritos, pois consideráveis foram essas ascendências, notadamente na Universidade Federal do Ceará, como, por exemplo, suas ligações intelectuais com o Prof. Dr. Rui Verlaine Oliveira Moreira, entre tantos outros intelectuais cearenses ex-seminaristas da Prainha.

Encontra-se na iminência de entrar no prelo seu novo rebento crítico e literário, intitulado Reservas da minha étagère – Aproximações Literocientíficas, com cerca de 400 páginas.