segunda-feira, 30 de novembro de 2015

Os Ensaios de 'Nuntia Morata'





Batista de Lima*


Ler Vianney Mesquita é resgatar a esperança nos ideais culturais e no milagre da inteligência. (GENUINO SALESda Academia Cearense de Letras).

                                                                                                                     



É uma temeridade escrever sobre Vianney Mesquita. Ele vai encontrar achegas e adminículos. É tanto que sobre esse seu livro, “Nuntia Morata”, vai protestar pelo emprego do vocábulo “ensaios” no título deste despretensioso texto, haja vista que esse seu volume também é feito de “recensões”. Logo em seguida, reclamará das aspas cercadoras do título da obra, que já aparecem no terceiro período do escrito. Vai escrever-me uma missiva para avisar que títulos de obras precisam vir em itálico, negrito ou sublinhado, jamais com aspas. Não tem problema, aprenderei com suas lições, como o faço há tempos. Se não evoluí a contento, não foi por culpa do mestre, mas por incompetência do discípulo.
Vianney Mesquita é um guardião da Língua Portuguesa. Tanto por ela prima, que hoje é difícil encontrar alguém com tanto zelo no trato da última flor do Lácio. Suas notas são trabalhadas com tanta mestria que o leitor se farta da volúpia linguística, ao ponto de se achar diante de um escultor, cujo pincel é a pena, sendo a tinta palavra debutante. Transita das raízes da língua às experimentações mais sutis. É tanto que, ante a indigência vernacular que se abate por sobre grande parcela da juventude atual, esse “Arquiteto a posteriori” reverbera sua vociferação na retaguarda dos cânones da língua de Camões. Sua erudição possui raízes gregas e latinas ao tempo em que, no claustro, vasculhava das tragédias de Sófocles às Catilinárias, da Ilíada à Eneida, com a desenvoltura dos grandes ascetas.
Entre os ensaios expressos no livro, destaque-se “Um Pobre Homem da Póvoa do Vazim”, em que Vianney Mesquita não fica apenas como “voyeur” do prazer sobre os textos que outros críticos elaboram. Ele vai mais além e, numa pesquisa fundamental, acresce outras descobertas sobre a obra de Eça de Queirós.
Quando trabalha o lado jornalístico do Escritor português, mais distante vai, por ser sua área de atuação, por muitos anos, como professor de Comunicação da Universidade Federal do Ceará. A respeito das influências de Eça sobre a Literatura Brasileira, ele cita Oliveira Paiva e Aluísio de Azevedo.
Outro ensaio seu de cunho didático é “Deslizes na Escrita - Impropriedades do Discurso”. Baseado na sua experiência adquirida como orientador e revisor de textos universitários, esse trabalho não envereda pelo vezo de alguns escribas que fazem sensacionalismo sobre os erros que encontram nesses escritos. Mesquita mostra os equívocos, mas exprime todo um apanhado de soluções para os deslizes que aponta. Seu trabalho traz, portanto, um objetivo educacional, tendo em vista que o leitor termina por aprender a forma correta para sua escrita. Todas as suas formulações vêm justificadas com suporte nas citações das fontes consultadas.
Apesar de o livro se acusar, além do título, de Ensaios e Recensões, há alguns textos intermediários, que talvez não se enquadrem nessa nomenclatura. São os casos de “Palavras que ensinam”, página 71, e “Edificação de um livro”, página 355 - excertos que não necessitam de rótulos, apenas que sejam entendidos e assimilados, preparados a fim de exercitar a cerebração. Para isso contribuem a sinonímia variada e o pleno aprumo como a frase é lapidada. Surgem, então, notações desengorduradas, em que a palavra vem com uma ossatura reforçada para a sustentação do volume de sua significação. Sua seleção vocabular prima pelo bom relacionamento entre as palavras nas vinculações sintáticas e semânticas.
Vianney Mesquita é um purista. Já produziu em torno de duas dezenas de livros, todos em defesa do bom falar e do melhor escrever. É hoje um dos raros intelectuais cearenses a praticar a crítica literária. E o faz com a argúcia do olho clínico. Na assepsia procedida nos textos acadêmicos que revisa e às vezes até reconstitui, não perdoa excessos nem vilipêndios linguísticos. Para isso possui o domínio do vernáculo, adquirido por décadas de docência e decência universitária, sem falar na aprendizagem clássica dos tempos de estudos no Seminário da Prainha. É uma permanente sentinela do nosso patrimônio linguístico.
Essa preocupação com o saber e com a melhor fórmula para sua disseminação levou o escritor Vianney Mesquita a elaborar a melhor peça da publicação - “Saber interdisciplinar na ciência da comunicação”. Este pode ser considerado o ensaio culminante do trabalho sob comentário. O saber é um grande sistema marcado por uma capilaridade em que nada existe só. As grandes conexões da ciência estão ativadas. Passou o tempo da departamentalização dos saberes. O isolamento e a retenção do conhecimento são prejudiciais à aprendizagem. Por isso que esse ensaio adquire uma mensagem didática, principalmente para os operadores do conhecimento. A interdisciplinaridade é uma forma de democratizar o saber.
Após a leitura desses ensaios e recensões, o leitor se acha aliviado por concluir que ainda existe crítica literária no Ceará. É evidente que ela não corresponde ao volume da produção local, mas o trabalho de Vianney em garimpar o que aqui se produz de bom é um alento para quem escreve. Seu mérito maior, entretanto, está na forma como escreve. A Língua Portuguesa é tratada com esmero. A frase é submetida a um polimento que só os grandes amantes do vernáculo conceberam exercitar. É desse tipo de cultivador que precisamos, diante de tantos estrangeirismos e empréstimos linguísticos que imputamos ao nosso código linguístico. Vianney Mesquita está atento a tudo isso. Portanto, os usurpadores do nosso idioma fiquem atentos: ainda temos verdadeiros defensores da amada “Dvlcisonam et canoram língvam cano” , divisa da nossa – minha e dele – Academia Cearense da Língua Portuguesa.
     
                                                      

*Batista de Lima é pedagogo, bacharel e mestre em Letras, escritor fecundo, professor universitário, dos lavrenses mais ilustres, como Dimas Macedo,  Filgueiras Lima, Linhares Filho, Joaryvar Macedo e tantos outros. Pertence às Academias Cearenses de Letras e da Língua Portuguesa.



NOTA DO EDITOR

É possível ao leitor que não conhece nosso acadêmico Vianney Mesquita, a julgar pelas informações que concede o escritor Batista de Lima, alcançar a ideia de que ele é ou foi sacerdote católico ou seminarista por longos anos.

Na verdade, ele apenas foi iniciado no Seminário Arquidiocesano, em Fortaleza, não chegando nem a completar um ano de internato, porém reconhece nos colegas internos a influência cristã e o influxo literário que presidiram seus escritos, pois consideráveis foram essas ascendências, notadamente na Universidade Federal do Ceará, como, por exemplo, suas ligações intelectuais com o Prof. Dr. Rui Verlaine Oliveira Moreira, entre tantos outros intelectuais cearenses ex-seminaristas da Prainha.

Encontra-se na iminência de entrar no prelo seu novo rebento crítico e literário, intitulado Reservas da minha étagère – Aproximações Literocientíficas, com cerca de 400 páginas.



                                                                      

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