segunda-feira, 18 de abril de 2016

MÉTODO E CONHECIMENTO Confluência Integral

Vianney Mesquita*


Sejam benditos os pesquisadores, Com seus rigores a buscar verdades, Capacidades de interlocutores E de ouvidores de obscuridades.
Ao perquirir tão insondáveis fatos, Cujos relatos pedem teorias, Por estas vias os feitos transatos Têm, mais que atos, metodologias.
Neste exercício de sabedoria, Ao revelar seus faustos de vivência, Tranquilidade e douta teimosia,
É demonstrado em toda percuciência, Extasiando o mundo, que aprecia Um vivaz operário da Ciência.
(Vianney Mesquita, 2002)


1 INTRODUÇÃO


A Ciência nada mais é do que o senso comum refinado e disciplinado (GUNNAR MYRDAL, economista sueco, detentor do Nobel de Ciências Econômicas de 1974)


           É conveniente expressarmos, a priori e por necessário, o fato de que conhecimento e método, caminhando sempre juntos, denotam conceitos de requerida aprendizagem liminar, por parte de uma pessoa que intente compreender as duas ideias em ultrapasse às evidências da opinião geral.
             Atualmente, em todo o universo de cultura científica – incluso, evidentemente, o Brasil - há muita reflexão acerca dessa temática, com amparo em filósofos da ciência do passado, bem como, em especial, do século corrente.
        Pensadores da dimensão intelectual de Karl Raimund Popper, filósofo austríaco e naturalizado inglês, do grão-britano Bertrand Russel e de outros que lhes seguem os passos e/ou com eles andam em paralelo à demanda de explicações para a Ciência, por exemplo, fazem grande escola e nos deixam como herdade um excepcional acervo librário, ajudando seus continuadores e pesquisadores em geral a, cada vez mais, dessedentar a constantemente sequiosa garganta da Ciência, na sua sede infrene por conhecer, procurando desvesti-la do caráter de mistério que lhe foi imposto pelos terroristas da dificuldade, quais verdadeiros súditos do impossível.
       Este pequeno exercício objetiva carrear aditamentos à compreensão da matéria, constituindo-se como chamamento e convite aos visitantes dos misteres de procura das relativas verdades científicas a conhecerem as teorizações das diversas correntes e dos variados pendores reflexivos vinculados ao assunto.
        Podem, com efeito, ser instituídas condições, desde os primeiros contatos com os respectivos feitos, para que se trabalhe o evento científico consoante os entendimentos consagrados na diuturna reflexão e pela via da prova, em todos os quadrantes da Ciência em suas mais distintas taxinomias.
            Antes, por conseguinte, de adentrarmos as considerações e cotejamentos entre a noção de saber vulgar – senso comum (communis opinio) e a ideia com teor científico, impende oferecermos um conceito de conhecimento. No jeito mais singelo de se exprimir, é lícito dizer que o conhecimento radica na assimilação dos objetos e sua retenção na memória, o armazenamento no espírito.
         No ato de conhecer, existe um sujeito – o que conhece – e há um objeto – o conhecido, completando-se, pois, o conhecimento, quando o sujeito retém o objeto e o reflete no espírito.
      Parece fácil depreender, pois, o fato de que sujeito e objeto são absolutamente indispensáveis para a consecução do ato cognitivo. Não havendo um para conhecer e na ausência de outro para ser conhecido, manifestamente, se afigura impossível o conhecimento. Em complemento a essa obviedade, porém de indispensável expressão para aportarmos às devidas explicações, são convidados à colação dois outros elementos - o pensamento e a verdade.
          O primeiro evoca, encadeia e capta as representações da mente, as quais são objeto do nosso conhecimento. A verdade, por sua vez, é a adequação, a coerência entre a exposição mental do sujeito e do seu objeto. A ideação de verdade, por conseguinte, repousa na consonância entre o que foi refletido e o pensamento.
       Ao ser concedido o início do conhecimento, o ser pensante exercita uma seleta, discriminativa, mediante a qual se apercebe das semelhanças e diferenças dos objetos. Quando contemplamos a realidade fatual, ou na oportunidade em que refletimos sobre os objetos, nos quedamos a compará-los, separando os objetos análogos daqueles distintos. A compreensão do diferente é procedida no mesmo instante em que se efetiva o entendimento dos objetos análogos.
          Com efeito, seria inócuo o conhecimento se as coisas fossem todas iguais e se a realidade sobrasse homogênea e imutável. Há, pois, em toda cognição um status de relação, em que se ligam os objetos, podendo ser os vínculos de analogia ou diferença e de existência concomitante ou sucessão.
2 CONHECIMENTO EMPÍRICO OU ORDINÁRIO
         Com bastante frequência, o sujeito cognoscente não procura encontrar os liames que atam um objeto aos demais; tampouco examina e perscruta as poucas relações por ele descobertas entre esses objetos. É este o tipo de conhecimento empírico, vulgar ou ordinário.
       Neste, de perfil vulgar, o objeto ou o fato é conhecido sem considerar os demais. A preterição do exame, esse desinteresse inconsciente em relação ao encadeamento dos fatos, o faz conhecimento primário, pobre, não científico, porquanto abandona a procura das suas causas, detendo-se apenas na comprovação das coisas isoladas.
         O de ordem vulgar é um conhecimento a operar sem rigor de sistematização de relações. Procede daí a apreensão dos fatos na sua individualidade, ignorando seus fautores (ou condições determinantes), quais causas o produziram ou que princípios o governam. O filósofo da Ciência, inglês Herbert Spencer (1820-1903), considerando a pobreza do conhecimento, cunhou para essa modalidade a ideia de conhecimento não unificado.
       Atentemos, no entanto, para o que proclama a literatura de Filosofia e Metodologia da Ciência – cujos lineamentos de ordem geral servem de substrato para este escrito, exposta ao final deste trabalho e mencionada ao longo desta pesquisa pessoal e literária: em sendo conhecimento vulgar, injustificado, não relacionado, não suscetível a provas, não implica, contudo, assinalar que seja conhecimento falso.
      O conhecimento vulgar, é oportuno relembrar, constitui quase todo o patrimônio da Humanidade. Por sua vez, o de composição científica é como que uma exceção na vida e ocupa muito pouco o seu tempo.
3 CONHECIMENTO PARCIALMENTE UNIFICADO
O sábio começa no fim; o tolo termina no começo (GEORGE POLYA. How to Solve it).
         O conhecimento científico é dotado de certeza relativa (pois esta não pertence à Ciência, mas aos mitos). Funda-se em procedimentos do método científico, como, verbi gratia, a observação paciente de parâmetros sistematizados e ordenados. Quando se elabora o conhecimento científico, há de se ter o cuidado de agrupar os fatos da mesma espécie, situando um em relação com os outros, determinando os seus laços de semelhança, de existência concomitante ou de sucessão, bem como os princípios que os governam.
         Ao reverso do conhecimento empírico, o de conteúdo científico é pródigo em relações e, ipso facto, está habilitado a explicar a multiplicidade de fatores confluentes para a determinação de uma realidade. O operário da Ciência não é, porém, um mago, um prestidigitador ou alquimista, portador de faculdades extranormais para lograr exprimir determinantemente uma realidade. Ele é somente uma pessoa mais organizada, de exigência mais depurada do que as comuns, sã de corpo e de bom espírito, e que – seja expresso - não desiste da “coisa começada”, ao modo de expressar do poeta Luiz Vaz de Camões.
         De tal sorte, resultando o conhecimento científico do encadeamento de fenômenos de igual ordem, componentes de um setor peculiar da realidade, o cientista, se pretende explicar, exempli gratia, o funcionamento dos órgãos humanos, recorre aos fenômenos fisiológicos, que serão sistematizados e examinados. Caso intente delinear, v.g., a ocorrência de chuvas, recolhe, relaciona e examina todos os acontecimentos meteorológicos, louvando-se, ainda, noutras ordens de eventos fenomênicos, os quais, sistematizados e examinados, formam nova série.
3.1 Características
       Malgrado inexista, sob consenso, uma estrema (limite) entre a fonte do conhecimento científico e o fim da forma não unificada, estes têm características diametralmente opostas, conquanto não se possa cogitar em que o primeiro prescinda do de feição vulgar. Isto porque este serve de base analítica àquele - o ser humano altera os dados da experiência primária para transformá-los em verdade científica. Eo ipso, os informes do conhecimento ordinário constituem o ponto de partida, o material a ser trabalhado para a excursão à procura do saber científico.
              Com vistas a oferecer melhor sedimentação de como percebemos tais diferenciações, com arrimo na literatura especializada, mormente em Cohen e Nagel (1975), destacamos as principais características, expressas pelos autores, peculiares aos dois tipos de conhecimento, conforme está na sequência.
        Sugerimos, por conseguinte, o leitor a cotejar os algarismos de ambos os lados taxionômicos, proceder às comparações, concluir pelas suas diferenças e retê-las para futuras inferências.

CONHECIMENTO VULGAR
1 Via de regra, é certo, no entanto, a certeza é espontânea, não se podendo justificar.
2 Resta inscrito nos lindes da verificação dos fatos; não ultrapassa esses limites.
3 Não é obediente a qualquer método. É saber por saber, na circunstância de conhecimento não unificado, consoante Spencer.
4 Coincide com informação, na maioria das vezes, correta, todavia desprovida de explicações ou com esclarecimentos que não resistem a críticas.
5 Quase sempre é inconsciente das órbitas em que seus valores são válidos ou sua prática confere sucesso. Denota-se incompleto e embaraçado.
6 Valida, mui frequentemente, valores não compatíveis e, muita vez, contraditórios – vinculados mais aos resultados e características imediatas dos fatos observados. Por exemplo, a visão de um ovni – objeto voador não identificado.
7 Seus valores têm curso por demorado tempo, uma vez que seus conceitos imprecisos têm pouca ou quase nenhuma especificidade, fato que dificulta e veda o controle experimental.
8 Concede o interesse por ocorrências ligadas a temas muitíssimo valorizados, como os horóscopos (Astrologia), por exemplo.
9 Forma de conhecimento obtida pelas experiências na ordem consuetudinária das coisas.

CONHECIMENTO CIENTÍFICO

1 É lógica e relativamente correto, indicando as razões de sua justeza.
2 Ao conhecer as causas, a Ciência chama a si o caráter de generalidade. A causa e o início, efetivamente, quando expressam o que há de constante e de ordinário nos eventos e verdades de igual espécie, assentem consolidá-los numa mesma fórmula.
3 Obedece ao método científico. Os pesquisadores científicos entendem que os seres e fatos se juntam pelas relações. O sábio aporta ao encadeamento em virtude de conhecer leis e princípios, porquanto a lei reduz à unidade grande volume de fatos e, no começo, todas as consequências se encontram; daí por que qualquer ciência, essencialmente, configura um sistema, isto é, um conjunto semiestruturado de verdades.
4 Organiza-se à base de princípios explicativos e sistemáticos, submissíveis a controle por ideações ou juízos de fato.
5 Ressalta as ligações sistemáticas das proposições respeitantes a pontos do senso geral (vulgar), considerando o espectro de aplicação válida dos valores nos quais acredita.
6 As ideias opostas são estímulo para a evolução de demanda da Ciência, que, sendo relativamente certa, não goza de completa garantia de ter eliminadas todas as contradições. Ipso facto, são sempre revisadas por conceitos que aparecem, à medida que a procura é efetivada.
7 Considera ad hoc (provisórios) os conhecimentos, pelo fato de suas conclusões não restarem definitivas. Emprega enunciados exatos e específicos, os quais, contudo, aguentam os rigores da prova.
8 A teoria descarta, de adrede, os valores imediatos das coisas, tendendo a aplicar abstrações conceituais, no entanto, sem as vincular às qualidades do real verificado.
9 Suas conclusões, corretas e sob a joeira da prova crítica, perfazem resultados do método.
4 INVESTIGAÇÃO
        Desde a vertente do conhecimento de cariz ordinário até a Ciência, há de se cursar um ror de procedimentos, o que se providenciará por intermédio da demanda científica, fidelizando todos os ditames inventariados para seu exercício, a fim de se aportar, técnica e corretamente, ao objetivo pretendido – a transformação, o beneficiamento dos indicadores primários que receberão tratamento científico.
4.1 Conceito
       Resulta autêntico dizer-se da investigação como um caminho para conhecer problemas cujas soluções são inferidas dos fatos. Cuidamos, entretanto, de lembrar que estes a considerar na investigação sejam, entre outros, opiniões manifestas, fatos históricos, os teores em registo ou informes dos resultados dos testes (ou escalas), respostas a questionários, dados experimentais de classe, configurados como o feedback a realimentar o caminho investigativo.
      De efeito, com supedâneo em grande ala de estudiosos, como, v.g., todos os referenciados neste relatório de estudo, temos o lance de considerar quatro pontos atinentes ao sentido da investigação, conforme vem.
  • Ocorre assim? (Diz respeito à existência do fenômeno, seu aspecto descritivo, classificatório).
  • Em que extensão é assim? (Dimensão quantitativa da investigação).
  • Por que ocorre assim?
  • Que condições ocasionam o fenômeno?
Os itens 3 e 4 indicam suas causas e determinações, os fatores condicionantes da existência do fenômeno.
4.2 Reflexão
          Não há dúvidas de que não podemos desvendar os fatos sem que seja necessário refletir. Com efeito, como os descobrir? Recorrendo à reflexão acerca do real – eis a resposta. Nessa etapa, o investigador há de evitar totalmente as tendências pessoais (bias) sobre o compreendimento das coisas, não distorcendo a realidade com a íntima participação na qualidade de observador na verificação dos fatos. Isto porque, numa reflexão, sob pena de esta sobrar distorcida, quem reflete é forçado a exterminar esse viés em quaisquer tarefas com pretensões científicas.
         Uma vez procedida à reflexão, observa-se, regista-se, experimenta-se e mensura-se o fato para, ato contínuo, providenciar-se a formulação da hipótese.
4.3 Hipótese
          A hipótese constitui a ideia basilar indicativa do caminho de busca. É a suposição admissível, a teoria provável, contudo não demonstrada. Em geral, a ideação consiste em supor conhecida a verdade então demandada, sendo necessário, para sua validade em prossecução da pesquisa, a noção de que não reste falseada, porém, se impõe sua confirmação. Em tal acepção, é um procedimento comum às ciências e métodos.
        Feita componente obrigatório das Ciências Experimentais, consoante a intelecção de Charles Lahr, SJ., transferida por Ludgero BJaspers (1932, s.i.p.), cuida-se da “[...] suposição de uma coisa ou de uma lei destinada a explicar provisoriamente um fenômeno até que os fatos venham contradizê-la ou confirmá-la”.
Papel da Hipótese
        A hipótese desempenha papel duplo na atividade de demanda científica, porquanto: a) tem uma aplicação prática – orientar o experimentador, gerenciar as pesquisas na direção provável da causa ou da lei que se propõe determinar e sugerir-lhe as experiências próprias para descobri-las; e b) guarda a utilidade teórica de completar os resultados, agrupando um conjunto de eventos, a fim de facilitar a inteligência e o estudo.
Condições de uma hipótese verdadeiramente científica
      Dentre as condições referidas pela literatura de Filosofia e Metodologia da Ciência e outras matérias afins do disciplinamento parcialmente ordenado – e que fogem ao objetivo desde ensaio - para haver uma hipótese veramente científica, tem ressalto a necessidade de que ela se configure como necessária, possível, suficiente, verificável e simples.
       Em primeira instância, impende ser necessária, pois a realidade a explicar tem de resultar bem real; é acrescida, neste passo, a imposição de que nenhuma lei conhecida a explica. Secundariamente, há de ser possível, isto é, sem contraditar nenhum evento certo, não contradizer qualquer lei demonstrada. Depois, impõe-se seja suficiente – proporcionada ao fato a explicar. Em quarto lugar, a hipótese deve se exprimir como verificável, pois seu valor e a confiabilidade estão na esperança de que, um dia, transite por uma verificação. Por fim, há de ser, também, simples, pois, conforme o médico e químico neerlandês Hermann Boerhaave (1688-1738), “o simples é o sinal da verdade”. “[...] simplicidade e economia nos meios; riqueza e variedade nos resultados, tal parece ser a divisa da Natureza”. (Apud JASPERS, 1932).
       E eis que ajunta Ludgero Jaspers - OSB (Opus cit.) a ideia de ser clara, aprioristicamente, a verdade segundo a qual as coisas todas do Mundo têm sua razão de ocorrer e, assim, o desperdício e as complicações estéreis resultam inadmissíveis. E eis o princípio do menor esforço - remata.
4.4 Método
     Têm curso diversos conceitos de método científico propostos por estudiosos de várias procedências e escolas. Então, formulemos outro, com semelhante significação daqueles torneios dos especialistas, isto é, ao destacar o método como o caminho para a descoberta da verdade.
4.4.1 Conceito – Utilidade - Importância
        De tal maneira, sem nos distanciar das formulações procedentes dos especialistas, até como estratégia didática, dizemos ser o método a reunião dos procedimentos a serem empregados pelos investigadores na procura e demonstração da verdade relativa.
       Na sexta edição do seu avelhantado, no entanto (ainda hoje) acreditado Manual de Filosofia (1932), Ludgero Jaspers – OSB, passim, ensina que um método não é escolhido a priori - a prática precedendo a teoria. O pesquisador – leciona o Autor, com outras palavras - cuja investigação foi amplamente exitosa, fixou a marcha seguida, com as condições que conduziram aos objetivos. Mais pessoas, depois, procederam a um estudo aprofundado dos mesmos expedientes empregados pelo dito investigador e forneceram a razão da sua eficácia.
       De tal sorte, esses procedimentos, mais ou menos empíricos no começo, foram elevados a pouco e pouco a método verdadeiramente racional, de modo que, hoje, em franco século XXI, inclusive se contabilizando as maravilhas da Informática, cada esgalho científico possui metodologia propícia as suas buscas.
       Ajuntamos, por apropriado, a informação de que alguns desses concertos são de aplicação indistinta em certas ciências, estas entendidas como aquelas matérias do disciplinamento científico semiordenado, com objeto formal definido, objeto material identificado e corpo de doutrina constituído e organizado, na dependência do objeto de procura.
       Oferecemos, como exemplos, o estudo de caso e a história de vida, na contextura das Ciências Sociais e Aziendais, bem assim os ensaios de caso e controle, como também de substâncias com princípios ativos normais e placebos (este de cunho, em geral, psicológico), no âmbito das Ciências da Saúde, notadamente no âmbito da Farmacologia, Medicina, Dentística et reliqua.
        O método, por conseguinte, constitui o caminho delineado que conduzirá o investigador ao encontro do fim, com segurança e relativa facilidade, desde que, evidentemente, esteja ele apercebido dos amplos conhecimentos essenciais para que se anime a proceder a uma atividade de procura científica.
       Consoante é cediço, não somente nas fontes literárias, como também e principalmente, no âmbito de normalidade da vida, não se pode duvidar de que um espírito felizmente dotado possa encontrar, por via do instinto, qualquer coisa de descoberta difícil, até mesmo uma correta conduta metodológica em busca de explicação para um evento científico. Quer a estude e aprenda por si ou a encontre espinhosamente, deve se conformar com ela.
       No seu Manual de Filosofia, o autor há pouco mencionado, Ludgero Jaspers – Ordo Sancti Benedicti - OSB (com arrimo nas Notions Sommaires, de Charles Lahr – SJ, na obra que adaptou desse outro religioso, Cours de Philosophie, de 1926), aqui multicitado, expressa que, em certo sentido, é lícito se exprimir a noção de que o talento tem mais necessidade de método, pois, quanto mais pronto o espírito e tanto mais viva a imaginação, maiores são seus desvios.
        Ele explica, com efeito, por que um espírito, conquanto mediano, dirigido, entretanto, por um bom método, terá muitas vezes mais progresso na seara das ciências do que outro mais atilado e dinâmico caminhando ao acaso, distante de dizer, entretanto, que o método substitui o talento, porquanto o mais arguto – o gênio, verbi gratia - sempre vai mais longe do que a pessoa dotada de uma inteligência sofrível (1932).
       À feição de termo dessa ideia, Renato Cartésio (1596-1650), no Discurso sobre o Método (1972), leciona não ser bastante possuir bom espírito, porém, importa é aplicá-lo bem. De tal maneira, é impositivo ter-se em consideração a ideia de que, tampouco o talento, por considerável que seja, dispensa por completo o método; nem este, por mais perfeito, supre o talento. Parece válido concluirmos, pois, que o pesquisador-cientista, de ordinário talentoso, não hesitaria, contudo, se dando o caso, em optar por menos talento e mais método (DESCARTES, 1972).
4.4.2 Características
         Seria válido enumerar dezenas de características do método científico. Preferimos, todavia, e sem delongas, mencionar aquelas indigitadas por Cohen & Nagel (1975), pelo fato de atenderem às formulações propostas para montagem deste exercício textual, pois o pretendemos essencialmente pedagógico.
       Na lucidez dos prefalados autores, dos quais fazemos paráfrases, o método científico é estratagema seguríssimo, idealizado pelo ser humano a fim de controlar o fluxo das coisas e estabelecer crenças estáveis.
        Entrementes, o Pai do Racionalismo (Op. cit.) aponta com nitidez meridiana as condições gerais, indispensáveis a qualquer investigação científica, formulando-as em quatro regras, na ordem e delineamentos sequentes.
- Não aceitar nada como verdadeiro, enquanto não se conheça verdadeiramente como tal. – Evidência como critério (caráter distintivo da verdade). (JASPERS, opus citatum).
- Dividir cada dificuldade em tantas parcelas quantas sejam possíveis e necessárias para melhor resolvê-las. É a regra da análise. (IBIDEM).
- Conduzir por ordem os pensamentos, começando pelos objetos mais simples e mais fáceis de conhecer, evoluindo a pouco e pouco, até o conhecimento dos meios compostos. É a regra da síntese. (IDEM).
- Fazer recenseamentos tão completos e revistas tão gerais, que se fique seguro de nada ter omitido. É a condição comum e a garantia da análise e da síntese. (IDEM).
          Como ensina o racionalista René Descartes, a quarta regra é menos um processo especial do que um meio geral de fiscalização; quanto à evidência, esta é o próprio fim de toda a investigação científica e a razão de toda a certeza.
      Sobram a análise e a síntese, dois dos fundamentos metodológicos do saber geral parcialmente organizado. Neste sentido, os numerosos processos dos métodos particulares não retratam, em suma, senão diversas fórmulas de análise e síntese, variadas e modificadas conforme as exigências do espírito esquadrinhador e a natureza do objeto que se cuida de conhecer (JASPERS, 1932).
        Retornemos, entretanto, a Cohen e Nagel (1975), depois dessa digressão, a fim de apor, de vez que necessárias para um melhor entendimento desse título – método científico – as regras cartesianas indispensáveis a uma boa investigação.
        Com arrimo nos ensinamentos desses autores, situemos a dissecação do método científico, conforme nos prelecionaram. (Podemos retornar à leitura da subseção 3.1, às comparações numeradas de conhecimento – vulgar e científico).
Que é o método científico e quais suas principais características?
- É a técnica mais segura ideada pelo ser humano, a fim de controlar o fluxo das coisas e estabelecer as crenças estáveis. Esta é a primeira e mais abrangente notícia sobre o MC.
Seguem-se as demais, concedendo continuidade às paráfrases.
- O MC está isento das limitações e arbitrariedades de outros métodos opcionais, pois obedece a rigorosas observações;
- não cuida de impor a intenção dos seres humanos sobre o fluxo das coisas de maneira caprichosa; o êxito da sua aplicação é discernir e aproveitar de maneira deliberada (e independentemente das intenções humanas) a estrutura que possui tal fluxo;
- aspira a descobrir quais realmente são os fatos, e seu uso deve se guiar pelas ocorrências descobertas;
- uma de suas funções é a elaboração dedutiva de hipóteses;
- segue a trilha da dúvida sistemática;
- denota-se amplo;
- é exato – por não possuir pretensamente a posse da maior certeza que garante os elementos de juízo, o MC logra maior certeza do que outro método;
- é autocorretivo (não pretende ser infalível, mas se baseia nas técnicas apropriadas para desenvolver e pôr hipóteses à prova, com o fim de obter conclusões seguras);
- é circular – obtemos elementos de juízo a favor de certos princípios, apelando ao material empírico, e selecionamos, analisamos e interpretamos esse conjunto empirista, baseando-nos em certos princípios;
- é abstrato: nenhuma teoria assegura tudo o que pode ser dito sobre um âmbito de fenômenos; escolhe certos aspectos deles e exclui outros;
- não busca somente a descrição das coisas em particular, mas também a elaboração de afirmações de ordem geral, entre as quais está a chamada por nós de lei científica;
- vale-se da experimentação para ponto de apoio das suas afirmações;
- é objetivo no sentido de que o observador não pode estar influenciado pelas circunstâncias gerais em que se desenvolve a investigação, quando elabora as afirmações inferidas com esteio na experiência; e
- do ponto de vista axiológico, i.é., sob o prisma dos valores, o MC é neutral, ou seja, perante um fato, não interessa se ele é bom ou ruim, pois em ciência não conta o que dever ser, mas o que é (COHEN & NAGEL, 1975).
         Aqui o método científico rechaça aquele escotoma tão prejudicial à investigação, a cujo fim esta não pode aportar se dele dispuser - a tendência viciosa de dobrar as evidências à vontade do pretenso pesquisador, isto é, o bias, muito comum ao depreciado mister do pseudoinvestigador, desavisado e indecoroso.
        É considerada, neste passo, a ideia de que a honestidade é uma das diversas condições morais perfilhada pelo investigador de ofício, descobridor de feitos científicos exatos, absolutamente verazes, submissíveis a testes a todo azado instante e sob quaisquer circunstâncias.
         Existem a mancheias e são conhecidas, infelizmente, as pesquisas fechadas “a martelo”, sob força bruta, pois seus elementos técnicos resultaram desorganizados, fato representativo de engodo, com influxos posteriores bastante negativos da procura da Ciência, conduzindo milhares/milhões de pessoas a um erro operado e induzido por um irresponsável pseudopesquisador.
4.4.3 Verificação dos Fatos
         A averiguação dos fatos constitui o cabo da investigação científica, tomada, ab initio, com a pesquisa. Depois de a hipótese haver sido honrada, sem qualquer falseamento, passa à categoria de lei, cientificamente demonstrada; contradita pelas evidências, é impiedosamente rejeitada como nula, sem nenhum valor, tal significando exprimir a noção de que a lei vem depois de verificado o fato e devidamente certificada sua regularidade. Por tal razão é que o polígrafo espanhol Miguel de Unamuno y Jugo, em conhecida parêmia, expressa a ciência como o campo santo das ideias mortas, isto é, o cemitério das suposições inconsistentes, túmulo das hipóteses refalsadas.
           À demanda da verdade científica, entretanto, no argumento histórico da Ciência, há casos, até frequentes – conforme expresso há pouco - em que a experimentação não fecha com êxito, nem na contradição da hipótese, tampouco no tentame de confirmá-la. A Ciência respeita sua maior ou menor probabilidade e a conserva a título provisório.
          Na preleção douta de Bochenski (Innocentius Marie), as grandes descobertas científicas são exatamente as leis, de modo a ser ex-vi destas sistematizações que nossa técnica se desenvolve. As leis constituem o suporte inteligível, seguro e derradeiro de todo comportamento sustido pela razão. A lei, todavia, não constitui somente instrumento racional, porquanto exerce profunda influência sobre nossa vida e é pressuposto da cultura da qual somos parte (BOCHENSKI,1973, p. 9).
         Importa referir à noção de que um conjunto de leis particulares mais ou menos certas, ligadas por uma explicação comum, toma o nome de sistema ou teoria - vocábulos sinônimos perfeitos. São modelos desta denominação Teoria da Relatividade (Einstein), Teoria de Campo (Kurt Lewin), da Evolução (Charles Darwin), Psicanalítica (Sigmund Freud), de Alfred Wegener (Sistema da Deriva Continental), dos Quanta (Max Planck), Teoria das Necessidades (Abraham Maslow) etc.
        As teorias ou sistemas são sínteses de leis particulares, taxinomias de fenômenos de conformidade com suas ligações reais; a esse título, constituem, pelo menos, um esboço de classificação natural e encerram certo valor objetivo.
        Quer isto significar, então, que os sistemas pretendem explicar a própria natureza do fenômeno e suas leis? Por via de C. Lahar-SJ, Jaspers (1932) explica e aponta a conveniência da distinção: a) chegam a esse aportamento, como, p.e., o sistema explicativo da natureza e a causa do som por intermédio do movimento vibratório do ar. São teorias explicativas; e b) enquanto isso, outros sistemas sugerem um esclarecimento, o qual, uma vez suposto verdadeiro, reduziria à unidade um número considerável de fatos e leis, sem que o estudo da Ciência permita certificar que outra suposição provável mais compreensiva não explicaria melhor esses eventos e não deixaria ao nível da unidade um quantitativo de leis maior.
        O prefalado autor ensina que as teorias constantes do item b, há pouco expresso, não retratam a explicação terminante e verdadeira de como e por quê os fatos se registam. E prossegue Ludgero Jaspers - OSB (sempre por via de Charles Lahr, SJ) dizendo que tais sistemas nos informam que, nesse número mais ou menos considerável de fatos e leis, tudo sucede como se a explicação fornecida fosse verdadeira.
         Assim acontece num exemplo desse estudioso, em obra publicada há exatos 90 anos (a de C. Lahr, em 1926), ainda bastante acreditado na maioria dos conceitos emitidos há tanto tempo: a teoria que procura explicar a luz por movimentos vibratórios do kósmos, iguais aos motos do ar denotativos do som.
        Daí por que esses sistemas provisórios e reformuláveis são justamente denominados teorias representativas ou simbólicas (JASPERS, L., 1932).
5 A CIÊNCIA EM OPERAÇÃO
Vere scire per causas scire
       Assiste sobrada razão a Francis Bacon (1561-1626) ao exprimir a noção de que o conhecimento verdadeiro e completo é o conhecimento pelas causas, aliás, afluindo à opinião do Sábio Macedônio.
       Temos conhecimento, por exemplo, dentre inúmeros enunciados e pela via dos mais elementares estudos de iniciação científica da escola básica, de que o calor faz a água se transformar em vapor; os líquidos transmitem as pressões em todas as direções (Princípio de Blaise Pascal); todo corpo mergulhado num líquido perde arte do seu peso [...] (Princípio do Empuxo, de Arquimedes de Siracusa); a toda ação corresponde uma reação igual e em sentido contrário (Terceira Lei de Isaac Newton); o quadrado da hipotenusa é igual à soma dos quadrados dos catetos (Teorema de Pitágoras de Samos); a lei só retroage para beneficiar etc. Tal não significa expressar, necessariamente, que estes sejam conhecimentos científicos. Os fenômenos ligados às suas leis têm de ser explicados.
          Aristóteles de Estágira, mencionado no primeiro parágrafo desta seção, leciona que sabemos uma coisa de maneira absoluta quando conhecemos a causa que a produz, e porque essa causa não poderia ser outra; é isso saber por demonstração e, por tal pretexto, a Ciência se reduz à demonstração. Por consequente, a Ciência é um conhecimento pelas causas, isto é, um sistema expressivo de juízos metodicamente formado, ordenado, pleno de certeza e demonstrado com rigor absoluto. Suas proposições são gerais e de constância, ligadas por meio de relações subordinativas, constituindo um ramo particular do saber.
           Não se há de esquecer, todavia, o caráter de inexistência da certeza absoluta, da verdade final, irrefutável per omnia secula, com o que a Ciência não joga. Vejamos, então, a meta do condutor de busca científica, resumida no desenvolvimento da sua habilidade e sucesso em explicar, predizer e controlar condições e eventos.
5.1 Explicação
          Cohen & Nagel (1975), ao aduzirem razões para delinear a fase explicativa de busca do feito científico, chamam a atenção para a ideia de que explicar não significa simplesmente descrever.
         Assinalam que o escopo primordial da investigação científica é transpor os limites da mera descrição do fenômeno e convenientemente explicá-lo. O investigador não se satisfaz com, somente, nominar, dispor em classes e dar continuidade às ocorrências fenomênicas.
         No lugar de dar cabo à investigação simplesmente observando como o fogo acende, o gelo derrete, o metal se dilata para, em seguida se contrair com o resfriamento et reliqua, a pessoa de ciência se achega mais e mais, na expectativa de identificar as razões pelas quais esses fenômenos acontecem.
         O cientista considera fatos observados ao acaso, para entender alguns padrões que ensejam a explicação de eventos e, dessa maneira, alcançar seus objetivos.
       Ao descobrir uma provável causa para um particular evento ou condição, o investigador elabora uma estrutura geral, ampla, não particularizada, passível de demonstração, capaz e suficiente para dar provimento a explicações sobre como as variáveis estão envolvidas na situação experimentada, inclusive procurando eludir as chamadas variáveis indesejáveis, nomeadamente quando se cuida de investigações envolvendo o tecido social.
       Aqui aparece, nítida, a paciência, um dos mais relevantes pré-requisitos, tanto de natureza moral quanto de teor físico, exigido de quem trabalha o conhecimento transportado à communis opinio, até chegar - consoante denominação de Gunnar Myrdal em opinião expressa à epígrafe neste trabalho - ao senso comum refinado e disciplinado, conforme é, também, sugestão de Herbert Spencer.
         Não será custoso, então, perceber que explicar fenômenos não é, ao jeito demonstrativo de Cohen & Nagel (1975), exatamente descrevê-los, porquanto tais fenômenos constituem resultado positivo do trabalho de quem os opera.
        Relativamente aos fenômenos naturais, na lição dos autores de Introducción a la logica y al método científico, basicamente, a Ciência procura explicá-los, situando-os numa contextura maior de relações sistemáticas em curso. Eles concedem destaque especial à necessidade de que se proceda a generalizações para indicar a compreensão dos fenômenos, o que constitui o alvo extremo da atividade de demanda científica, pois estabelecer universalizações explicativas de fenômenos é o objetivo primacial da Ciência, conquanto citadas generalizações sejam passíveis de sugerir diversos níveis de explicação. Uma pode exibir esquema conceitual que explique uma quantidade de fenômenos muito limitada. Esse englobamento pode ser de muita utilidade, todavia, o escopo basilar da Ciência é desenvolver esquemas conceituais bem mais abrangedores (Op. Cit).
         Morris Cohen e Ernst Nagel, ainda, postulam coerentemente, na obra no momento acolitada, a ideia de que as hipóteses, leis e sistemas constituem generalizações de generalidades aumentadas de maneira cadenciosa. Em essência, o que a ação científica procura é a unificação das suas generalizações, à proporção que faz crescer, ritmadamente, nos procedimentos de explicitações fenomênicas, o corpo das generalizações aumentadas, dicção por eles empregada, os quais arrematam a ideia de que o derradeiro alvo da Ciência é conceder maior generalidade – isto é, leis com maior extensão.
5.2 Predição
         A atitude simplista de explicar fenômenos por intermédio de generalizações não satisfaz o cientista. É próprio dele o exercício de vaticinar, empreender prognósticos, isto é, fazer predições sobre como uma generalização se vai comportar noutras situações.
        Ele intenta, com origem em observações conhecidas e generalizações corretas – não como adivinho ou mago, com o mero toque do condão, mas usando o fruto do seu sucesso experimentado – PREDIZER eventos e fenômenos não observados. Se ocorreu isso, nas mais das vezes, repetidamente, em ocasião distinta, vai suceder aquilo – prenuncia com a maior coerência, sem, irrecusavelmente, demonstrar por antecipado a certeza.
      Quando algum ruído, por insignificante que puder parecer, sob inadvertência do experimentador, houver constado nas observações e/ou generalizações, a evidência é de que o remate de procura da recorrência coincida com o revés, resultando negativa a predição.
           Ao contrário de desanimar, porém, o acidente conduz o investigador a empreender novos e cuidadosos procedimentos de busca, tal a determinação que o prende, tamanho o seu desígnio de alcançar a um fim.
         Cohen & Nagel (1975, passim) informam também – e se mostra tranquilo depreender-se – que o cientista natural (trabalhador de conhecimento científico bem antigo e, por isso mesmo mais experimentado e conhecedor da natureza) é capaz de predizer em muitos campos, com grau de probabilidade tangenciando a certeza. Entrementes, o cientista social, porque muitas vezes arrosta número superior de variáveis em relação a outros saberes, tanto mais antigos como também mais investigados, não obtém o mesmo êxito em suas conjecturas, de sorte que as predições por ele formuladas, na maioria dos casos, têm somente caráter aproximativo.
5.3 Controle
         O terceiro momento do cientista, divisado pelos autores (1975), ao lado da explicação e da predição, é o controle das condições e fatos, porém, a igual acontece, também feito propósito dos pesquisadores, o domínio da natureza, pois os cientistas não se repletam somente com explicar e predizer. Eles aplicam-se com a maior diligência, com vistas a compreender de maneira globalizada as leis da natureza, ouvindo-a e fazendo experiências a fim de que ela se desnude. Desta arte, ele está apto a não apenas explicar e predizer com grau maior ou menor de êxito, senão também a controlar as forças da natureza, ao que mais aspira – seja isto expresso, en passant. O operador científico se designa na constância e na consistência em curso na natureza, habilitando-se a prenunciar que um fenômeno, não químico, verbi gratia, uma vez ocorrente, será recorrente ad aeternum. Isto – parece claro – nem sempre é verdadeiro.
         De tal maneira, o cientista vai fundamente no fenômeno para desvelar os fatores específicos e as relações causadoras de um particular evento. A passada seguinte será adquirir o conhecimento íntimo e perfeito de sua matéria. Depois disso, ele vai aos fatores próprios para manipulá-los, com o fito de produzir um evento pretendido ou se precaver para que não advenham condições não desejáveis (COHEN; NAGEL, 1975).
Tapobranidades” – neologismo para retratar serendipity
        É fácil, então, depreender, e não se afigura ocioso repetir, a ideia de que do acaso não se alimentam aqueles que demandam a Ciência, conquanto o fortuito, em ocasiões inúmeras, toque a observação, como em diversos casos suscetíveis de exame.
      Jean-Pierre Lentin (1996, 85-7) informa-nos a respeito da palavra, cunhada em Inglês, serendipity no discurso científico anglo-saxão, o que daria, em Português, serendipidade. O vocábulo serve para descrever os casos de coincidências, tolices inofensivas e acasos, quando o investigador aproa em uma pista bastante diferente daquilo que buscava, descobrindo, à sorte, o objeto procurado por caminho diverso.
        A Serendipity dos árabes – a Tapobrana dos gregos e romanos, referida na epopeia camoniana Os Lusíadas – é exatamente a ilha do Ceilão, hoje Sri-Lanka, pertencente à Commonwealth desde 1948, quando se independizou.
          Lentin noticia ter sido o termo difundido há cerca de quarenta anos, embora inventado já em 1754 pelo aristocrata e romancista gótico grão-britano Horácio Walpole, Conde de Oxford (1717-1797), baseado num conto persa sob o título de Os Três Príncipes de Serendip.
       Segundo o literato britânico (Apud LENTIN, 1996, p.85), “[...] os três não paravam de descobrir, por acidente ou por sagacidade, aquilo que não procuravam”. A interpretação foi acatada, sem discussão, e conservada a dicção serendipidade para designar os felizes acasos da Ciência.
         Uma dessas serendipidades aconteceu com o próprio autor de O Castelo de Otranto, Horace Walpole. O fato é que
[...] Jean-Jacques, autor de um livro sobre o assunto publicado em 1990, teve a curiosidade de consultar o conto original. E aí, uma surpresa: Horace Walpole tinha se traído por sua memória. Os três príncipes Serendip nada têm a ver com a serendipity, suas descobertas nada devem ao acaso! (Op. Cit. 85-6).
        Evocamos, a propósito, uma serendipidade, sem chancela de veracidade, em relação ao sucedido com uma comprovada descoberta: o lendário caso da maçã de Sir Isaac Newton (1642-1727), que, pretensamente, “historia” o descobrimento da Lei da Gravitação Universal, tornando imortal o Cientista inglês.
         Esta é uma alusão ao acaso que situou o Astrônomo, conforme a tradição, na rota das leis da atração. Com suporte nos experimentos de Johann Kepler (1571-1630), Newton propôs a também conhecida como Lei da Queda Livre: A matéria atrai a matéria na razão direta das massas e na razão inversa das distâncias ao quadrado.
        A estória conta que Newton estava sentado debaixo de uma macieira, quando um fruto desta caiu aos seus pés. Na ocasião, o Cientista estudava o sistema de Kepler acerca da lei de movimentação dos planetas. Newton, então, foi conduzido por este incidente a refletir nessa força singular, que chama os corpos para o centro da Terra.
       Narra a lenda que um clarão iluminou repentinamente o seu espírito. Por que não se estenderia esse poder até a Lua e, nesse caso, qual era a força a manter esse satélite na órbita da Terra? Tal indagação se constituiu em seu raciocínio em relação aos planetas, que giram ao redor do Sol. Com efeito, as indagações, umas sucedendo às outras, fizeram Isaac Newton conceber a ideia do grande sistema, que os seus cálculos confirmaram com rigor mais tarde. A lenda da maçã de Isaac Newton, vez por outra, é mencionada como exemplo dos resultados de relevância, que, com muita recursividade, procedem de causas sem importância ou esquisitas – exatamente as tapobranidades.
        Outro acaso bem conhecido, até por pessoas sem estudos formais, é aquele da descoberta da penicilina (Penicilium Notatum) pelo bacteriologista escocês Sir Alexander Fleming (1881-1955), com a colaboração do cientista tedesco Ernst Boris Chain (1906-1979) e Sir Howard Florey (1898-1968), que repartiram o Prêmio Nobel de Fisiologia e Medicina de 1945. Eis que se deu o caso de o vento haver trazido um esporo de mofo, o célebre humilde cogumelo, que repousou na lâmina de um experimento (1928), com cultura de estafilococus.
        Conforme sucedeu com Fleming, a História nos reserva muitos exemplos de tapobranidades – dizemos com o fim de abrasileirar a ideia. Fato tapobrânico, também, se deu com a vulcanização da borracha, conseguida pelo ianque Charles Goodyear (1800-1860) ocorrida em 1938.
         E Jean-Pierre Lentin (Op. Cit.) arrola outras descobertas tapobrânicas:
- o corante índigo – em 1893, um químico quebrou o termômetro e caiu mercúrio na solução;
- a insulina – em 1889, moscas que bebiam a urina de um cachorro chamaram a atenção de dois biólogos;
- o nylon – em 1939, pesquisadores se detiveram esticando um novo composto que parecia, de início, pouco interessante;
- o polietileno – em 1935, por causa de vazamentos.
-Mais: os corn-flakes, a celuloide, a gelatina explosiva (Alfred Nobel-1875) e o rayon (seda sintética).
         Arremata o autor com uma tapobranidade utilíssima, que resultou na descoberta do vidro de segurança.
[...] em 1903, o químico Édouard Bénédictus deixa cair um frasco de colódio vazio e observa com surpresa que o vidro estilhaçado mantém a forma de garrafa, por causa da película de colódio seco. Bénédictus inventa, então, o vidro de segurança, parte integrante, até os dias de hoje, dos vidros dos automóveis. (IDEM, p. 88).
       Poderíamos mencionar mais exemplos, registrados pela História, das tapobranidades na Ciência, como nos finais casos de champanhizar, efervescendo o vinho pelo método Chamart e da descoberta fortuita do panetone.
        Cremos, então, não ser demais repetir a noção de que o conhecimento não unificado (vulgar, popular, consensial, não refinado, bruto et coetera) será sempre inconsistente, pois não contém a verdade científica evidente, tangível, transitada pelos diversos estádios da Metodologia, não dispondo das informações de causa, tampouco explicações de efeitos.
          Mesmo não unificado, contudo, é conhecimento em curso, existe, embora não tenha sido buscado, perseguido pela pertinácia do cientista, nem resulte do trabalho metódico do investigador.
          O conhecimento vulgar está, pois, latente na natureza e no kósmos, na expectativa de quem lhe desbaste os excessos e recolha os conteúdos positivos e resistentes nos campos de prova, a fim de ser depositado no acervo científico da Humanidade, a cuja causa possa servir.
6 CONCLUSÃO
         Operar a Ciência somente faz sentido pelos caminhos racionais do método, via menos extensa para que se encontre a verdade. Esta – seja expresso mais uma vez – não está acabada, porquanto, no fluir da Ciência, que a pouco e pouco se aproxima dos limites da perfeição até aonde pode ir a inteligência humana, o ponto gnosiológico, suas estremas de pensamento, é facilmente passível de se transmutar, mormente do âmbito das Ciências Sociais, cujo componente principal, a pessoa humana, está em constante mudança em muitos sentidos.
         Aliás, hoje, também, com o controle estabelecido pelo ente humano sobre as coisas, têm sentido metamorfoses nas verdades das Ciências Biológicas, seara na qual se operam muitos progressos, mediante as pesquisas das doenças não diagnosticadas, controle genético, emprego da moderna Química nos pacientes vivos, casos ou controle de investigações, in anima nobili ou in anima vili (pessoas e animais inferiores) sem referir às injunções da Meteorologia e dos movimentos internos da centrosfera, os quais, sobremaneira, influem no ambiente.

BIBLIOGRAFIA
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BARRETO, José Anchieta Esmeraldo; MOREIRA, Rui Verlaine Oliveira. Coisas Imperfeitas – Escritos de Filosofia da Ciência. Fortaleza: Programa Editorial da Casa de José de Alencar – UFC – 1986, 188p.
BOCHENSKI, J. M. Diretrizes do Pensamento Filosófico. Trad. Alfred Simon. São Paulo: Herder, 1961.
BRUGGER, Walter. Dicionário de Filosofia. Trad. Antônio Pinto de Carvalho. 2. ed. São Paulo: Herder, 1969. 574 p.
COHEN, Morris; NAGEL, Ernst. Introducción a la Logica y al Metodo Cientifico. Buenos Aires: Amorrustur, 1975.
DESCARTES, René. Discurso sobre o Método. Trad. Torrieri Guimarães. São Paulo: Hemus,1972.
DIXON, Bernard. Para que Serve a Ciência? Trad. Cordélia Canabrava Arruda e Edna Windsor Andrews. São Paulo: Nacional-EDUSP, 1976.
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JOLIVET, Regis. Curso de Filosofia. Rio de Janeiro: AGIR, 1957.
LENTIN, Jean-Pierre. Penso, logo me engano. Trad. Marcos Bagno. São Paulo: Ática, 1996. 256 p.
MESQUITA, Vianney. Acerca de Conhecimento e Método (Exercício), in: Resgate de Ideias – Estudos e Expressões Estéticas. Fortaleza: Programa Editorial da Casa de José de Alencar – UFC, 1996, 192 p.


*João VIANNEY Campos de MESQUITA é professor-adjunto IV da Universidade Federal do Ceará. Escritor e jornalista. Acadêmico-titular das Academias Cearense da Língua Portuguesa e Cearense de Literatura e Jornalismo. Árcade titular e fundador da Arcádia Nova Palmaciana – cadeira 1. Autor de artigos científicos publicados em periódicos de universidades brasileiras. Revisor de livros e textos universitários (artigos e dissertações de mestrado e teses de doutoramento).

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