Vianney
Mesquita*
Sejam
benditos os pesquisadores, Com seus rigores a buscar verdades,
Capacidades de interlocutores E de ouvidores de
obscuridades.
Ao
perquirir tão insondáveis fatos, Cujos relatos pedem teorias,
Por estas vias os feitos transatos Têm, mais que atos,
metodologias.
Neste
exercício de sabedoria, Ao revelar seus faustos de
vivência, Tranquilidade e douta teimosia,
É
demonstrado em toda percuciência, Extasiando o mundo, que aprecia
Um vivaz operário da Ciência.
(Vianney
Mesquita, 2002)
1
INTRODUÇÃO
A
Ciência nada mais é do que o senso comum refinado e disciplinado
(GUNNAR MYRDAL, economista sueco, detentor do Nobel de Ciências
Econômicas de 1974)
É conveniente expressarmos, a
priori
e por necessário, o fato de que
conhecimento
e método, caminhando sempre juntos, denotam conceitos de requerida
aprendizagem liminar, por parte de uma pessoa que intente compreender
as duas ideias em ultrapasse às evidências da opinião geral.
Atualmente,
em todo o universo de cultura científica – incluso, evidentemente,
o Brasil - há muita reflexão acerca dessa temática, com amparo em
filósofos da ciência do passado, bem como, em especial, do século
corrente.
Pensadores
da dimensão intelectual de Karl Raimund Popper, filósofo austríaco
e naturalizado inglês, do grão-britano Bertrand Russel e de outros
que lhes seguem os passos e/ou com eles andam em paralelo à demanda
de explicações para a Ciência, por exemplo, fazem grande escola e
nos deixam como herdade um excepcional acervo librário, ajudando
seus continuadores e pesquisadores em geral a, cada vez mais,
dessedentar a constantemente sequiosa garganta da Ciência, na sua
sede infrene por conhecer, procurando desvesti-la do caráter de
mistério que lhe foi imposto pelos terroristas da dificuldade, quais
verdadeiros súditos do impossível.
Este
pequeno exercício objetiva carrear aditamentos à compreensão da
matéria, constituindo-se como chamamento e convite aos visitantes
dos misteres de procura das relativas verdades científicas a
conhecerem as teorizações das diversas correntes e dos variados
pendores reflexivos vinculados ao assunto.
Podem,
com efeito, ser instituídas condições, desde os primeiros contatos
com os respectivos feitos, para que se trabalhe o evento científico
consoante os entendimentos consagrados na diuturna reflexão e pela
via da prova, em todos os quadrantes da Ciência em suas mais
distintas taxinomias.
Antes,
por conseguinte, de adentrarmos as considerações e cotejamentos
entre a noção de saber vulgar – senso comum (communis
opinio)
e a ideia com teor científico, impende oferecermos um conceito de
conhecimento.
No jeito mais singelo de se exprimir, é lícito dizer que o
conhecimento radica na assimilação dos objetos e sua retenção na
memória, o armazenamento no espírito.
No
ato de conhecer, existe um sujeito – o que conhece – e há um
objeto – o conhecido, completando-se, pois, o conhecimento, quando
o sujeito retém o objeto e o reflete no espírito.
Parece
fácil depreender, pois, o fato de que sujeito e objeto são
absolutamente indispensáveis para a consecução do ato cognitivo.
Não havendo um para conhecer e na ausência de outro para ser
conhecido, manifestamente, se afigura impossível o conhecimento. Em
complemento a essa obviedade, porém de indispensável expressão
para aportarmos às devidas explicações, são convidados à colação
dois outros elementos - o pensamento
e a verdade.
O
primeiro evoca, encadeia e capta as representações da mente, as
quais são objeto do nosso conhecimento. A verdade, por sua vez, é a
adequação, a coerência entre a exposição mental do sujeito e do
seu objeto. A ideação de verdade, por conseguinte, repousa na
consonância entre o que foi refletido e o pensamento.
Ao
ser concedido o início do conhecimento, o ser pensante exercita uma
seleta, discriminativa, mediante a qual se apercebe das semelhanças
e diferenças dos objetos. Quando contemplamos a realidade fatual, ou
na oportunidade em que refletimos sobre os objetos, nos quedamos a
compará-los, separando os objetos análogos daqueles distintos. A
compreensão do diferente é procedida no mesmo instante em que se
efetiva o entendimento dos objetos análogos.
Com
efeito, seria inócuo o conhecimento se as coisas fossem todas iguais
e se a realidade sobrasse homogênea e imutável. Há, pois, em toda
cognição um status
de relação, em que se ligam os objetos, podendo ser os vínculos de
analogia ou diferença e de existência concomitante ou sucessão.
2
CONHECIMENTO
EMPÍRICO OU ORDINÁRIO
Com
bastante frequência, o sujeito cognoscente não procura encontrar os
liames que atam um objeto aos demais; tampouco examina e perscruta as
poucas relações por ele descobertas entre esses objetos. É este o
tipo de conhecimento empírico, vulgar ou ordinário.
Neste,
de perfil vulgar, o objeto ou o fato é conhecido sem considerar os
demais. A preterição do exame, esse desinteresse inconsciente em
relação ao encadeamento dos fatos, o faz conhecimento primário,
pobre, não científico, porquanto abandona a procura das suas
causas, detendo-se apenas na comprovação das coisas isoladas.
O
de ordem vulgar é um conhecimento a operar sem rigor de
sistematização de relações. Procede daí a apreensão dos fatos
na sua individualidade, ignorando seus fautores (ou condições
determinantes), quais causas o produziram ou que princípios o
governam. O filósofo da Ciência, inglês Herbert Spencer
(1820-1903), considerando a pobreza do conhecimento, cunhou para essa
modalidade a ideia de conhecimento
não unificado.
Atentemos,
no entanto, para o que proclama a literatura de Filosofia e
Metodologia da Ciência – cujos lineamentos de ordem geral servem
de substrato para este escrito, exposta ao final deste trabalho e
mencionada ao longo desta pesquisa pessoal e literária: em sendo
conhecimento vulgar, injustificado, não relacionado, não suscetível
a provas, não implica, contudo, assinalar que seja conhecimento
falso.
O
conhecimento vulgar, é oportuno relembrar, constitui quase todo o
patrimônio da Humanidade. Por sua vez, o de composição científica
é como que uma exceção na vida e ocupa muito pouco o seu tempo.
3
CONHECIMENTO PARCIALMENTE UNIFICADO
O
sábio começa no fim; o tolo termina no começo (GEORGE
POLYA.
How to Solve it).
O
conhecimento científico é dotado de certeza relativa (pois esta não
pertence à Ciência, mas aos mitos). Funda-se em procedimentos do
método científico, como, verbi
gratia, a
observação paciente de parâmetros sistematizados e ordenados.
Quando se elabora o conhecimento científico, há de se ter o cuidado
de agrupar os fatos da mesma espécie, situando um em relação com
os outros, determinando os seus laços de semelhança, de existência
concomitante ou de sucessão, bem como os princípios que os
governam.
Ao
reverso do conhecimento empírico, o de conteúdo científico é
pródigo em relações e, ipso
facto, está
habilitado a explicar a multiplicidade de fatores confluentes para a
determinação de uma realidade. O operário da Ciência não é,
porém, um mago, um prestidigitador ou alquimista, portador de
faculdades extranormais para lograr exprimir determinantemente uma
realidade. Ele é somente uma pessoa mais organizada, de exigência
mais depurada do que as comuns, sã de corpo e de bom espírito, e
que – seja expresso - não desiste da “coisa começada”, ao
modo de expressar do poeta Luiz Vaz de Camões.
De
tal sorte, resultando o conhecimento científico do encadeamento de
fenômenos de igual ordem, componentes de um setor peculiar da
realidade, o cientista, se pretende explicar,
exempli gratia,
o funcionamento dos órgãos humanos, recorre aos fenômenos
fisiológicos, que serão sistematizados e examinados. Caso intente
delinear, v.g.,
a ocorrência de chuvas, recolhe, relaciona e examina todos os
acontecimentos meteorológicos, louvando-se, ainda, noutras ordens de
eventos fenomênicos, os quais, sistematizados e examinados, formam
nova série.
3.1
Características
Malgrado
inexista, sob consenso, uma estrema (limite) entre a fonte do
conhecimento científico e o fim da forma não unificada, estes têm
características diametralmente opostas, conquanto não se possa
cogitar em que o primeiro prescinda do de feição vulgar. Isto
porque este serve de base analítica àquele - o ser humano altera os
dados da experiência primária para transformá-los em verdade
científica. Eo
ipso,
os informes do conhecimento ordinário constituem o ponto de partida,
o material a ser trabalhado para a excursão à procura do saber
científico.
Com
vistas a oferecer melhor sedimentação de como percebemos tais
diferenciações, com arrimo na literatura especializada, mormente em
Cohen e Nagel (1975), destacamos as principais características,
expressas pelos autores, peculiares aos dois tipos de conhecimento,
conforme está na sequência.
Sugerimos,
por conseguinte, o leitor a cotejar os algarismos de ambos os lados
taxionômicos, proceder às comparações, concluir pelas suas
diferenças e retê-las para futuras inferências.
CONHECIMENTO
VULGAR
1
Via de regra, é certo, no entanto, a certeza é espontânea, não se
podendo justificar.
2
Resta inscrito nos lindes da verificação dos fatos; não ultrapassa
esses limites.
3
Não é obediente a qualquer método. É saber
por
saber,
na circunstância de conhecimento não
unificado,
consoante Spencer.
4
Coincide com informação, na maioria das vezes, correta, todavia
desprovida de explicações ou com esclarecimentos que não resistem
a críticas.
5
Quase sempre é inconsciente das órbitas em que seus valores são
válidos ou sua prática confere sucesso. Denota-se incompleto e
embaraçado.
6
Valida, mui frequentemente, valores não compatíveis e, muita vez,
contraditórios – vinculados mais aos resultados e características
imediatas dos fatos observados. Por exemplo, a visão de um ovni –
objeto voador não identificado.
7
Seus valores têm curso por demorado tempo, uma vez que seus
conceitos imprecisos têm pouca ou quase nenhuma especificidade, fato
que dificulta e veda o controle experimental.
8
Concede o interesse por ocorrências ligadas a temas muitíssimo
valorizados, como os horóscopos (Astrologia), por exemplo.
9
Forma de conhecimento obtida pelas experiências na ordem
consuetudinária das coisas.
CONHECIMENTO
CIENTÍFICO
1
É lógica e relativamente correto, indicando as razões de sua
justeza.
2
Ao conhecer as causas, a Ciência chama a si o caráter de
generalidade. A causa e o início, efetivamente, quando expressam o
que há de constante e de ordinário nos eventos e verdades de igual
espécie, assentem consolidá-los numa mesma fórmula.
3
Obedece ao método científico. Os pesquisadores científicos
entendem que os seres e fatos se juntam pelas relações. O sábio
aporta ao encadeamento em virtude de conhecer leis e princípios,
porquanto a lei reduz à unidade grande volume de fatos e, no começo,
todas as consequências se encontram; daí por que qualquer ciência,
essencialmente, configura um sistema, isto é, um conjunto
semiestruturado de verdades.
4
Organiza-se à base de princípios explicativos e sistemáticos,
submissíveis a controle por ideações ou juízos de fato.
5
Ressalta as ligações sistemáticas das proposições respeitantes a
pontos do senso geral (vulgar), considerando o espectro de aplicação
válida dos valores nos quais acredita.
6
As ideias opostas são estímulo para a evolução de demanda da
Ciência, que, sendo relativamente certa, não goza de completa
garantia de ter eliminadas todas as contradições. Ipso
facto,
são sempre revisadas por conceitos que aparecem, à medida que a
procura é efetivada.
7
Considera ad
hoc
(provisórios) os conhecimentos, pelo fato de suas conclusões não
restarem definitivas. Emprega enunciados exatos e específicos, os
quais, contudo, aguentam os rigores da prova.
8
A teoria descarta, de adrede, os valores imediatos das coisas,
tendendo a aplicar abstrações conceituais, no entanto, sem as
vincular às qualidades do real verificado.
9
Suas conclusões, corretas e sob a joeira da prova crítica, perfazem
resultados do método.
4
INVESTIGAÇÃO
Desde
a vertente do conhecimento de cariz ordinário até a Ciência, há
de se cursar um ror de procedimentos, o que se providenciará por
intermédio da demanda científica, fidelizando todos os ditames
inventariados para seu exercício, a fim de se aportar, técnica e
corretamente, ao objetivo pretendido – a transformação, o
beneficiamento dos indicadores primários que receberão tratamento
científico.
4.1
Conceito
Resulta
autêntico dizer-se da investigação como um caminho para conhecer
problemas cujas soluções são inferidas dos fatos. Cuidamos,
entretanto, de lembrar que estes a considerar na investigação
sejam, entre outros, opiniões manifestas, fatos históricos, os
teores em registo ou informes dos resultados dos testes (ou escalas),
respostas a questionários, dados experimentais de classe,
configurados como o feedback
a realimentar o caminho investigativo.
De
efeito, com supedâneo em grande ala de estudiosos, como, v.g.,
todos os referenciados neste relatório de estudo, temos o lance de
considerar quatro pontos atinentes ao sentido da investigação,
conforme vem.
-
Ocorre assim? (Diz respeito à existência do fenômeno, seu aspecto descritivo, classificatório).
-
Em que extensão é assim? (Dimensão quantitativa da investigação).
-
Por que ocorre assim?
-
Que condições ocasionam o fenômeno?
Os
itens 3 e 4 indicam suas causas e determinações, os fatores
condicionantes da existência do fenômeno.
4.2
Reflexão
Não
há dúvidas de que não podemos desvendar os fatos sem que seja
necessário refletir. Com efeito, como os descobrir? Recorrendo à
reflexão acerca do real – eis a resposta. Nessa etapa, o
investigador há de evitar totalmente as tendências pessoais (bias)
sobre o compreendimento das coisas, não distorcendo a realidade com
a íntima participação na qualidade de observador na verificação
dos fatos. Isto porque, numa reflexão, sob pena de esta sobrar
distorcida, quem reflete é forçado a exterminar esse viés em
quaisquer tarefas com pretensões científicas.
Uma
vez procedida à reflexão, observa-se, regista-se, experimenta-se e
mensura-se o fato para, ato contínuo, providenciar-se a formulação
da hipótese.
4.3
Hipótese
A
hipótese constitui a ideia basilar indicativa do caminho de busca. É
a suposição admissível, a teoria provável, contudo não
demonstrada. Em geral, a ideação consiste em supor conhecida a
verdade então demandada, sendo necessário, para sua validade em
prossecução da pesquisa, a noção de que não reste falseada,
porém, se impõe sua confirmação. Em tal acepção, é um
procedimento comum às ciências e métodos.
Feita
componente obrigatório das Ciências Experimentais, consoante a
intelecção de Charles Lahr, SJ., transferida por Ludgero BJaspers
(1932, s.i.p.), cuida-se da “[...] suposição de uma coisa ou de
uma lei destinada a explicar provisoriamente um fenômeno até que os
fatos venham contradizê-la ou confirmá-la”.
Papel
da Hipótese
A
hipótese desempenha papel duplo na atividade de demanda científica,
porquanto:
a)
tem uma aplicação prática
– orientar o experimentador, gerenciar as pesquisas na direção
provável da causa ou da lei que se propõe determinar e sugerir-lhe
as experiências próprias para descobri-las; e
b)
guarda a utilidade teórica
de completar os resultados, agrupando um conjunto de eventos, a fim
de facilitar a inteligência e o estudo.
Condições
de uma hipótese verdadeiramente científica
Dentre
as condições referidas pela literatura de Filosofia e Metodologia
da Ciência e outras matérias afins do disciplinamento parcialmente
ordenado – e que fogem ao objetivo desde ensaio - para haver uma
hipótese veramente científica, tem ressalto a necessidade de que
ela se configure como necessária,
possível, suficiente, verificável
e
simples.
Em
primeira instância, impende ser necessária,
pois a realidade a explicar tem de resultar bem real; é acrescida,
neste passo, a imposição de que nenhuma lei conhecida a explica.
Secundariamente, há de ser possível,
isto é, sem contraditar nenhum evento certo, não contradizer
qualquer lei demonstrada. Depois, impõe-se seja suficiente
– proporcionada ao fato a explicar. Em quarto lugar, a hipótese
deve se exprimir como verificável,
pois
seu valor e a confiabilidade estão na esperança de que, um dia,
transite por uma verificação. Por fim, há de ser, também,
simples,
pois, conforme o médico e químico neerlandês Hermann Boerhaave
(1688-1738), “o simples é o sinal da verdade”. “[...]
simplicidade e economia nos meios; riqueza e variedade nos
resultados, tal parece ser a divisa da Natureza”. (Apud
JASPERS, 1932).
E
eis que ajunta Ludgero Jaspers - OSB (Opus
cit.)
a ideia de ser clara, aprioristicamente, a verdade segundo a qual as
coisas todas do Mundo têm sua razão de ocorrer e, assim, o
desperdício e as complicações estéreis resultam inadmissíveis. E
eis o princípio do menor
esforço - remata.
4.4
Método
Têm
curso diversos conceitos de método científico propostos por
estudiosos de várias procedências e escolas. Então, formulemos
outro, com semelhante significação daqueles torneios dos
especialistas, isto é, ao destacar o método como o caminho para a
descoberta da verdade.
4.4.1
Conceito – Utilidade - Importância
De
tal maneira, sem nos distanciar das formulações procedentes dos
especialistas, até como estratégia didática, dizemos ser o método
a reunião dos procedimentos a serem empregados pelos investigadores
na procura e demonstração da verdade relativa.
Na
sexta edição do seu avelhantado, no entanto (ainda hoje) acreditado
Manual
de Filosofia
(1932), Ludgero Jaspers – OSB, passim,
ensina que um método não é escolhido a
priori
- a prática precedendo a teoria. O pesquisador – leciona o Autor,
com outras palavras - cuja investigação foi amplamente exitosa,
fixou a marcha seguida, com as condições que conduziram aos
objetivos. Mais pessoas, depois, procederam a um estudo aprofundado
dos mesmos expedientes empregados pelo dito investigador e forneceram
a razão da sua eficácia.
De
tal sorte, esses procedimentos, mais ou menos empíricos no começo,
foram elevados a pouco e pouco a método verdadeiramente racional, de
modo que, hoje, em franco século XXI, inclusive se contabilizando as
maravilhas da Informática, cada esgalho científico possui
metodologia propícia as suas buscas.
Ajuntamos,
por apropriado, a informação de que alguns desses concertos são de
aplicação indistinta em certas ciências, estas entendidas como
aquelas matérias do disciplinamento científico semiordenado, com
objeto formal definido, objeto material identificado e corpo de
doutrina constituído e organizado, na dependência do objeto de
procura.
Oferecemos,
como exemplos, o estudo
de caso
e a história
de
vida,
na contextura das Ciências Sociais e Aziendais, bem assim os ensaios
de
caso e controle,
como também de substâncias
com princípios ativos normais
e placebos
(este de cunho, em geral, psicológico), no âmbito das Ciências da
Saúde, notadamente no âmbito da Farmacologia, Medicina, Dentística
et
reliqua.
O
método, por conseguinte, constitui o caminho delineado que conduzirá
o investigador ao encontro do fim, com segurança e relativa
facilidade, desde que, evidentemente, esteja ele apercebido dos
amplos conhecimentos essenciais para que se anime a proceder a uma
atividade de procura científica.
Consoante
é cediço, não somente nas fontes literárias, como também e
principalmente, no âmbito de normalidade da vida, não se pode
duvidar de que um espírito felizmente dotado possa encontrar, por
via do instinto, qualquer coisa de descoberta difícil, até mesmo
uma correta conduta metodológica em busca de explicação para um
evento científico. Quer a estude e aprenda por si ou a encontre
espinhosamente, deve se conformar com ela.
No
seu Manual
de
Filosofia,
o autor há pouco mencionado, Ludgero Jaspers – Ordo
Sancti Benedicti
- OSB (com arrimo nas Notions
Sommaires,
de Charles Lahr – SJ, na obra que adaptou desse outro religioso,
Cours
de Philosophie, de 1926),
aqui multicitado, expressa que, em certo sentido, é lícito se
exprimir a noção de que o talento tem mais necessidade de método,
pois, quanto mais pronto o espírito e tanto mais viva a imaginação,
maiores são seus desvios.
Ele
explica, com efeito, por que um espírito, conquanto mediano,
dirigido, entretanto, por um bom método, terá muitas vezes mais
progresso na seara das ciências do que outro mais atilado e dinâmico
caminhando ao acaso, distante de dizer, entretanto, que o método
substitui o talento, porquanto o mais arguto – o gênio, verbi
gratia
- sempre vai mais longe do que a pessoa dotada de uma inteligência
sofrível (1932).
À
feição de termo dessa ideia, Renato Cartésio (1596-1650), no
Discurso
sobre o Método (1972),
leciona não ser bastante possuir bom espírito, porém, importa é
aplicá-lo bem. De tal maneira, é impositivo ter-se em consideração
a ideia de que, tampouco o talento, por considerável que seja,
dispensa por completo o método; nem este, por mais perfeito, supre o
talento. Parece válido concluirmos, pois, que o
pesquisador-cientista, de ordinário talentoso, não hesitaria,
contudo, se dando o caso, em optar por menos talento e mais método
(DESCARTES, 1972).
4.4.2
Características
Seria
válido enumerar dezenas de características do método científico.
Preferimos, todavia, e sem delongas, mencionar aquelas indigitadas
por Cohen & Nagel (1975), pelo fato de atenderem às formulações
propostas para montagem deste exercício textual, pois o pretendemos
essencialmente pedagógico.
Na
lucidez dos prefalados autores, dos quais fazemos paráfrases, o
método científico é estratagema seguríssimo, idealizado pelo ser
humano a fim de controlar o fluxo das coisas e estabelecer crenças
estáveis.
Entrementes,
o Pai do Racionalismo (Op.
cit.)
aponta com nitidez meridiana as condições gerais, indispensáveis a
qualquer investigação científica, formulando-as em quatro regras,
na ordem e delineamentos sequentes.
-
Não aceitar nada como verdadeiro, enquanto não se conheça
verdadeiramente como tal. – Evidência
como critério (caráter distintivo da verdade).
(JASPERS, opus
citatum).
-
Dividir cada dificuldade em tantas parcelas quantas sejam possíveis
e necessárias para melhor resolvê-las. É
a regra da análise. (IBIDEM).
-
Conduzir por ordem os pensamentos, começando pelos objetos mais
simples e mais fáceis de conhecer, evoluindo a pouco e pouco, até o
conhecimento dos meios compostos. É
a regra da síntese. (IDEM).
-
Fazer recenseamentos tão completos e revistas tão gerais, que se
fique seguro de nada ter omitido. É
a condição comum e a garantia da análise e da síntese. (IDEM).
Como
ensina o racionalista René Descartes, a quarta regra é menos um
processo especial do que um meio geral de fiscalização; quanto à
evidência, esta é o próprio fim de toda a investigação
científica e a razão de toda a certeza.
Sobram
a análise e a síntese, dois dos fundamentos metodológicos do saber
geral parcialmente organizado. Neste sentido, os numerosos processos
dos métodos particulares não retratam, em suma, senão diversas
fórmulas de análise e síntese, variadas e modificadas conforme as
exigências do espírito esquadrinhador e a natureza do objeto que se
cuida de conhecer (JASPERS, 1932).
Retornemos,
entretanto, a Cohen e Nagel (1975), depois dessa digressão, a fim de
apor, de vez que necessárias para um melhor entendimento desse
título – método científico – as regras cartesianas
indispensáveis a uma boa investigação.
Com
arrimo nos ensinamentos desses autores, situemos a dissecação do
método científico, conforme nos prelecionaram. (Podemos retornar à
leitura da subseção 3.1, às comparações numeradas de
conhecimento – vulgar e científico).
Que
é o método científico e quais suas principais características?
-
É
a técnica mais segura ideada pelo ser humano, a fim de controlar o
fluxo das coisas e estabelecer as crenças estáveis.
Esta
é a primeira e mais abrangente notícia sobre o MC.
Seguem-se
as demais, concedendo continuidade às paráfrases.
-
O MC está isento das limitações e arbitrariedades de outros
métodos opcionais, pois obedece a rigorosas observações;
-
não cuida de impor a intenção dos seres humanos sobre o fluxo das
coisas de maneira caprichosa; o êxito da sua aplicação é
discernir e aproveitar de maneira deliberada (e independentemente das
intenções humanas) a estrutura que possui tal fluxo;
-
aspira a descobrir quais realmente são os fatos, e seu uso deve se
guiar pelas ocorrências descobertas;
-
uma de suas funções é a elaboração dedutiva de hipóteses;
-
segue a trilha da dúvida sistemática;
-
denota-se amplo;
-
é exato – por não possuir pretensamente a posse da maior certeza
que garante os elementos de juízo, o MC logra maior certeza do que
outro método;
-
é autocorretivo (não pretende ser infalível, mas se baseia nas
técnicas apropriadas para desenvolver e pôr hipóteses à prova,
com o fim de obter conclusões seguras);
-
é circular – obtemos elementos de juízo a favor de certos
princípios, apelando ao material empírico, e selecionamos,
analisamos e interpretamos esse conjunto empirista, baseando-nos em
certos princípios;
-
é abstrato: nenhuma teoria assegura tudo o que pode ser dito sobre
um âmbito de fenômenos; escolhe certos aspectos deles e exclui
outros;
-
não busca somente a descrição das coisas em particular, mas também
a elaboração de afirmações de ordem geral, entre as quais está a
chamada por nós de lei
científica;
-
vale-se da experimentação para ponto de apoio das suas afirmações;
-
é objetivo no sentido de que o observador não pode estar
influenciado pelas circunstâncias gerais em que se desenvolve a
investigação, quando elabora as afirmações inferidas com esteio
na experiência; e
-
do ponto de vista axiológico, i.é., sob o prisma dos valores, o MC
é neutral, ou seja, perante um fato, não interessa se ele é bom ou
ruim, pois em ciência não conta o que dever ser, mas o que é
(COHEN & NAGEL, 1975).
Aqui
o método científico rechaça aquele escotoma tão prejudicial à
investigação, a cujo fim esta não pode aportar se dele dispuser -
a tendência viciosa de dobrar as evidências à vontade do pretenso
pesquisador, isto é, o bias,
muito comum ao depreciado mister do pseudoinvestigador, desavisado e
indecoroso.
É
considerada, neste passo, a ideia de que a honestidade
é uma das diversas condições morais perfilhada pelo investigador
de ofício, descobridor de feitos científicos exatos, absolutamente
verazes, submissíveis a testes a todo azado instante e sob quaisquer
circunstâncias.
Existem a mancheias e são conhecidas, infelizmente, as pesquisas
fechadas “a martelo”, sob força bruta, pois seus elementos
técnicos resultaram desorganizados, fato representativo de engodo,
com influxos posteriores bastante negativos da procura da Ciência,
conduzindo milhares/milhões de pessoas a um erro operado e induzido
por um irresponsável pseudopesquisador.
4.4.3
Verificação dos Fatos
A
averiguação dos fatos constitui o cabo da investigação
científica, tomada, ab
initio,
com a pesquisa. Depois de a hipótese haver sido honrada, sem
qualquer falseamento, passa à categoria de lei, cientificamente
demonstrada; contradita pelas evidências, é impiedosamente
rejeitada como nula, sem nenhum valor, tal significando exprimir a
noção de que a lei vem depois de verificado o fato e devidamente
certificada sua regularidade. Por tal razão é que o polígrafo
espanhol Miguel de Unamuno y Jugo, em conhecida parêmia, expressa a
ciência como o campo santo das ideias mortas, isto é, o cemitério
das suposições inconsistentes, túmulo das hipóteses refalsadas.
À
demanda da verdade científica, entretanto, no argumento histórico
da Ciência, há casos, até frequentes – conforme expresso há
pouco - em que a experimentação não fecha com êxito, nem na
contradição da hipótese, tampouco no tentame de confirmá-la. A
Ciência respeita sua maior ou menor probabilidade e a conserva a
título provisório.
Na
preleção douta de Bochenski (Innocentius Marie), as grandes
descobertas científicas são exatamente as leis, de modo a ser ex-vi
destas sistematizações que nossa técnica se desenvolve. As leis
constituem o suporte inteligível, seguro e derradeiro de todo
comportamento sustido pela razão. A lei, todavia, não constitui
somente instrumento racional, porquanto exerce profunda influência
sobre nossa vida e é pressuposto da cultura da qual somos parte
(BOCHENSKI,1973, p. 9).
Importa
referir à noção de que um conjunto de leis particulares mais ou
menos certas, ligadas por uma explicação comum, toma o nome de
sistema
ou
teoria
- vocábulos sinônimos perfeitos. São modelos desta denominação
Teoria da Relatividade (Einstein), Teoria de Campo (Kurt Lewin), da
Evolução (Charles Darwin), Psicanalítica (Sigmund Freud), de
Alfred Wegener (Sistema da Deriva Continental), dos Quanta
(Max Planck), Teoria das Necessidades (Abraham Maslow) etc.
As
teorias ou sistemas são sínteses de leis particulares, taxinomias
de fenômenos de conformidade com suas ligações reais; a esse
título, constituem, pelo menos, um esboço de classificação
natural e encerram certo valor objetivo.
Quer
isto significar, então, que os sistemas pretendem explicar a própria
natureza do fenômeno e suas leis? Por via de C. Lahar-SJ, Jaspers
(1932) explica e aponta a conveniência da distinção: a) chegam a
esse aportamento, como, p.e., o sistema explicativo da natureza e a
causa do som por intermédio do movimento vibratório do ar. São
teorias explicativas; e b) enquanto isso, outros sistemas sugerem um
esclarecimento, o qual, uma vez suposto verdadeiro, reduziria à
unidade um número considerável de fatos e leis, sem que o estudo da
Ciência permita certificar que outra suposição provável mais
compreensiva não explicaria melhor esses eventos e não deixaria ao
nível da unidade um quantitativo de leis maior.
O
prefalado autor ensina que as teorias constantes do item b, há pouco
expresso, não retratam a explicação terminante e verdadeira de
como
e por
quê
os fatos se registam. E prossegue Ludgero Jaspers - OSB (sempre por
via de Charles Lahr, SJ) dizendo que tais sistemas nos informam que,
nesse número mais
ou menos
considerável
de fatos e leis, tudo sucede como se a explicação fornecida fosse
verdadeira.
Assim acontece num exemplo desse estudioso, em obra publicada há
exatos 90 anos (a de C. Lahr, em 1926), ainda bastante acreditado na
maioria dos conceitos emitidos há tanto tempo: a teoria que procura
explicar a luz por movimentos vibratórios do kósmos,
iguais aos motos do ar denotativos do som.
Daí
por que esses sistemas provisórios e reformuláveis são justamente
denominados teorias
representativas ou simbólicas (JASPERS,
L., 1932).
5
A CIÊNCIA EM OPERAÇÃO
Vere
scire per causas scire
Assiste
sobrada
razão a Francis Bacon (1561-1626) ao exprimir a noção de que o
conhecimento verdadeiro e completo é o conhecimento pelas causas,
aliás, afluindo à opinião do Sábio Macedônio.
Temos
conhecimento, por exemplo, dentre inúmeros enunciados e pela via dos
mais elementares estudos de iniciação científica da escola básica,
de que o calor faz a água se transformar em vapor; os líquidos
transmitem as pressões em todas as direções (Princípio de Blaise
Pascal); todo corpo mergulhado num líquido perde arte do seu peso
[...] (Princípio do Empuxo, de Arquimedes de Siracusa); a toda ação
corresponde uma reação igual e em sentido contrário (Terceira Lei
de Isaac Newton); o quadrado da hipotenusa é igual à soma dos
quadrados dos catetos (Teorema de Pitágoras de Samos); a lei só
retroage para beneficiar etc. Tal não significa expressar,
necessariamente, que estes sejam conhecimentos científicos. Os
fenômenos ligados às suas leis têm de ser explicados.
Aristóteles
de Estágira, mencionado no primeiro parágrafo desta seção,
leciona que sabemos uma coisa de maneira absoluta quando conhecemos a
causa que a produz, e porque essa causa não poderia ser outra; é
isso saber por demonstração e, por tal pretexto, a Ciência se
reduz à demonstração. Por consequente, a Ciência é um
conhecimento pelas causas, isto é, um
sistema expressivo de juízos metodicamente formado, ordenado, pleno
de certeza e demonstrado com rigor absoluto. Suas proposições são
gerais e de constância, ligadas por meio de relações
subordinativas, constituindo um ramo particular do saber.
Não se há de esquecer, todavia, o caráter de inexistência da
certeza absoluta, da verdade final, irrefutável per
omnia secula,
com o que a Ciência não joga. Vejamos, então, a meta do condutor
de busca científica, resumida no desenvolvimento da sua habilidade e
sucesso em explicar, predizer e controlar condições e eventos.
5.1
Explicação
Cohen
& Nagel (1975), ao aduzirem razões para delinear a fase
explicativa de busca do feito científico, chamam a atenção para a
ideia de que explicar
não
significa simplesmente
descrever.
Assinalam
que o escopo primordial da investigação científica é transpor os
limites da mera descrição do fenômeno e convenientemente
explicá-lo. O investigador não se satisfaz com, somente, nominar,
dispor em classes e dar continuidade às ocorrências fenomênicas.
No
lugar de dar cabo à investigação simplesmente observando como o
fogo acende, o gelo derrete, o metal se dilata para, em seguida se
contrair com o resfriamento et
reliqua,
a pessoa de ciência se achega mais e mais, na expectativa de
identificar as razões pelas quais esses fenômenos acontecem.
O
cientista considera fatos observados ao acaso, para entender alguns
padrões que ensejam a explicação de eventos e, dessa maneira,
alcançar seus objetivos.
Ao
descobrir uma provável causa para um particular evento ou condição,
o investigador elabora uma estrutura geral, ampla, não
particularizada, passível de demonstração, capaz e suficiente para
dar provimento a explicações sobre como as variáveis estão
envolvidas na situação experimentada, inclusive procurando eludir
as chamadas variáveis
indesejáveis,
nomeadamente quando se cuida de investigações envolvendo o tecido
social.
Aqui
aparece, nítida, a paciência,
um dos mais relevantes pré-requisitos, tanto de natureza moral
quanto de teor físico, exigido de quem trabalha o conhecimento
transportado à
communis opinio,
até chegar - consoante denominação de Gunnar Myrdal em opinião
expressa à epígrafe neste trabalho - ao senso comum refinado
e disciplinado,
conforme é, também, sugestão de Herbert Spencer.
Não
será custoso, então, perceber que explicar fenômenos não é, ao
jeito demonstrativo de Cohen & Nagel (1975), exatamente
descrevê-los, porquanto tais fenômenos constituem resultado
positivo do trabalho de quem os opera.
Relativamente
aos fenômenos naturais, na lição dos autores de Introducción
a la logica y al método científico,
basicamente, a Ciência procura explicá-los,
situando-os
numa contextura maior de relações sistemáticas em curso. Eles
concedem destaque especial à necessidade de que se proceda a
generalizações para indicar a compreensão dos fenômenos, o que
constitui o alvo extremo da atividade de demanda científica, pois
estabelecer universalizações explicativas de fenômenos é o
objetivo primacial da Ciência, conquanto citadas generalizações
sejam passíveis de sugerir diversos níveis de explicação. Uma
pode exibir esquema conceitual que explique uma quantidade de
fenômenos muito limitada. Esse englobamento pode ser de muita
utilidade, todavia, o escopo basilar da Ciência é desenvolver
esquemas conceituais bem mais abrangedores (Op.
Cit).
Morris
Cohen e Ernst Nagel, ainda, postulam coerentemente, na obra no
momento acolitada, a ideia de que as hipóteses, leis e sistemas
constituem generalizações de generalidades aumentadas de maneira
cadenciosa. Em essência, o que a ação científica procura é a
unificação das suas generalizações, à proporção que faz
crescer, ritmadamente, nos procedimentos de explicitações
fenomênicas, o corpo das generalizações
aumentadas,
dicção por eles empregada, os quais arrematam a ideia de que o
derradeiro alvo da Ciência é conceder maior generalidade – isto
é, leis com maior extensão.
5.2
Predição
A
atitude simplista de explicar fenômenos por intermédio de
generalizações não satisfaz o cientista. É próprio dele o
exercício de vaticinar, empreender prognósticos, isto é, fazer
predições
sobre
como
uma
generalização se vai comportar noutras situações.
Ele
intenta, com origem em observações conhecidas e generalizações
corretas – não como adivinho ou mago, com o mero toque do condão,
mas usando o fruto do seu sucesso experimentado – PREDIZER eventos
e fenômenos não observados. Se ocorreu isso, nas mais das vezes,
repetidamente, em ocasião distinta, vai suceder aquilo – prenuncia
com a maior coerência, sem, irrecusavelmente, demonstrar por
antecipado a certeza.
Quando
algum ruído, por insignificante que puder parecer, sob inadvertência
do experimentador, houver constado nas observações e/ou
generalizações, a evidência é de que o remate de procura da
recorrência coincida com o revés, resultando negativa a predição.
Ao
contrário de desanimar, porém, o acidente conduz o investigador a
empreender novos e cuidadosos procedimentos de busca, tal a
determinação que o prende, tamanho o seu desígnio de alcançar a
um fim.
Cohen
& Nagel (1975, passim)
informam também – e se mostra tranquilo depreender-se – que o
cientista natural (trabalhador de conhecimento científico bem antigo
e, por isso mesmo mais experimentado e conhecedor da natureza) é
capaz de predizer
em
muitos campos, com grau de probabilidade tangenciando a certeza.
Entrementes, o cientista social, porque muitas vezes arrosta número
superior de variáveis em relação a outros saberes, tanto mais
antigos como também mais investigados, não obtém o mesmo êxito em
suas conjecturas, de sorte que as predições por ele formuladas, na
maioria dos casos, têm somente caráter
aproximativo.
5.3
Controle
O
terceiro momento do cientista, divisado pelos autores (1975), ao lado
da explicação
e da predição,
é o controle
das
condições e fatos, porém, a igual acontece, também feito
propósito dos pesquisadores, o domínio da natureza, pois os
cientistas não se repletam somente com explicar
e predizer.
Eles aplicam-se com a maior diligência, com vistas a compreender de
maneira globalizada as leis da natureza, ouvindo-a
e fazendo experiências a fim de que ela se desnude. Desta arte, ele
está apto a não apenas explicar
e predizer
com grau maior ou menor de êxito, senão também a controlar as
forças da natureza, ao que mais aspira – seja isto expresso, en
passant.
O operador científico se designa na constância
e na consistência
em curso na natureza, habilitando-se a prenunciar que um fenômeno,
não químico, verbi
gratia, uma
vez ocorrente, será recorrente ad
aeternum.
Isto – parece claro – nem sempre é verdadeiro.
De
tal maneira, o cientista vai fundamente no fenômeno para desvelar os
fatores específicos e as relações causadoras de um particular
evento. A passada seguinte será adquirir o conhecimento íntimo
e perfeito de sua matéria.
Depois disso, ele vai aos fatores próprios para manipulá-los, com o
fito de produzir um evento pretendido ou se precaver para que não
advenham condições não desejáveis (COHEN; NAGEL, 1975).
“Tapobranidades”
– neologismo para retratar serendipity
É
fácil, então, depreender, e não se afigura ocioso repetir, a ideia
de que do acaso não se alimentam aqueles que demandam a Ciência,
conquanto o fortuito, em ocasiões inúmeras, toque a observação,
como em diversos casos suscetíveis de exame.
Jean-Pierre
Lentin (1996, 85-7) informa-nos a respeito da palavra, cunhada em
Inglês, serendipity
no discurso científico anglo-saxão, o que daria, em Português,
serendipidade.
O vocábulo serve para descrever os casos de coincidências, tolices
inofensivas e acasos, quando o investigador aproa em uma pista
bastante diferente daquilo que buscava, descobrindo, à sorte, o
objeto procurado por caminho diverso.
A
Serendipity
dos árabes – a Tapobrana dos gregos e romanos, referida na epopeia
camoniana Os
Lusíadas – é exatamente
a ilha do Ceilão, hoje Sri-Lanka, pertencente à Commonwealth desde
1948, quando se independizou.
Lentin
noticia ter sido o termo difundido há cerca de quarenta anos, embora
inventado já em 1754 pelo aristocrata e romancista gótico
grão-britano Horácio Walpole, Conde de Oxford (1717-1797), baseado
num conto persa sob o título de Os
Três Príncipes de Serendip.
Segundo
o literato britânico (Apud
LENTIN, 1996, p.85), “[...] os três não paravam de descobrir, por
acidente ou por sagacidade, aquilo que não procuravam”. A
interpretação foi acatada, sem discussão, e conservada a dicção
serendipidade
para designar os felizes acasos da Ciência.
Uma
dessas serendipidades
aconteceu com o próprio autor de O
Castelo de Otranto, Horace
Walpole.
O fato é que
[...]
Jean-Jacques, autor de um livro sobre o assunto publicado em
1990, teve a curiosidade de consultar o conto original. E aí,
uma surpresa: Horace Walpole tinha se traído por sua memória.
Os três príncipes Serendip nada têm a ver com a serendipity,
suas descobertas nada
devem ao acaso! (Op. Cit. 85-6).
Evocamos,
a propósito, uma serendipidade,
sem chancela de veracidade, em relação ao sucedido com uma
comprovada descoberta: o lendário caso da maçã de Sir
Isaac Newton (1642-1727), que, pretensamente, “historia” o
descobrimento da Lei da Gravitação Universal, tornando imortal o
Cientista inglês.
Esta
é uma alusão ao acaso que situou o Astrônomo, conforme a tradição,
na rota das leis da atração. Com suporte nos experimentos de Johann
Kepler (1571-1630), Newton propôs a também conhecida como Lei da
Queda Livre:
A matéria atrai a matéria na razão direta das massas e na razão
inversa das distâncias ao quadrado.
A
estória conta que Newton estava sentado debaixo de uma macieira,
quando um fruto desta caiu aos seus pés. Na ocasião, o Cientista
estudava o sistema de Kepler acerca da lei de movimentação dos
planetas. Newton, então, foi conduzido por este incidente a refletir
nessa força singular, que chama os corpos para o centro da Terra.
Narra
a lenda que um clarão iluminou repentinamente o seu espírito. Por
que não se estenderia esse poder até a Lua e, nesse caso, qual era
a força a manter esse satélite na órbita da Terra? Tal indagação
se constituiu em seu raciocínio em relação aos planetas, que giram
ao redor do Sol. Com efeito, as indagações, umas sucedendo às
outras, fizeram Isaac Newton conceber a ideia do grande sistema, que
os seus cálculos confirmaram com rigor mais tarde. A lenda da maçã
de Isaac Newton, vez por outra, é mencionada como exemplo dos
resultados de relevância, que, com muita recursividade, procedem de
causas sem importância ou esquisitas – exatamente as
tapobranidades.
Outro
acaso bem conhecido, até por pessoas sem estudos formais, é aquele
da descoberta da penicilina (Penicilium
Notatum)
pelo bacteriologista escocês Sir
Alexander
Fleming (1881-1955), com a colaboração do cientista tedesco Ernst
Boris Chain (1906-1979) e Sir
Howard
Florey (1898-1968), que repartiram o Prêmio Nobel de Fisiologia e
Medicina de 1945. Eis que se deu o caso de o vento haver trazido um
esporo de mofo, o célebre humilde
cogumelo,
que repousou na lâmina de um experimento (1928), com cultura de
estafilococus.
Conforme
sucedeu com Fleming, a História nos reserva muitos exemplos de
tapobranidades
– dizemos com o fim de abrasileirar a ideia. Fato tapobrânico,
também, se deu com a vulcanização da borracha, conseguida pelo
ianque Charles Goodyear (1800-1860) ocorrida em 1938.
E Jean-Pierre Lentin (Op.
Cit.)
arrola outras descobertas tapobrânicas:
-
o corante índigo – em 1893, um químico quebrou o termômetro e
caiu mercúrio na solução;
-
a insulina – em 1889, moscas que bebiam a urina de um cachorro
chamaram a atenção de dois biólogos;
-
o nylon
– em 1939, pesquisadores se detiveram esticando um novo composto
que parecia, de início, pouco interessante;
-
o polietileno – em 1935, por causa de vazamentos.
-Mais:
os corn-flakes,
a celuloide, a gelatina explosiva (Alfred Nobel-1875) e o rayon
(seda sintética).
Arremata
o autor com uma tapobranidade
utilíssima, que resultou na descoberta do vidro de segurança.
[...]
em 1903, o químico Édouard Bénédictus deixa cair um frasco
de colódio vazio e observa com surpresa que o vidro estilhaçado
mantém a forma de garrafa, por causa da película de colódio
seco. Bénédictus inventa, então, o vidro de segurança,
parte integrante, até os dias de hoje, dos vidros dos
automóveis. (IDEM, p. 88).
Poderíamos
mencionar mais exemplos, registrados pela História, das
tapobranidades
na
Ciência,
como nos finais casos de champanhizar, efervescendo
o
vinho pelo método Chamart
e da descoberta fortuita do panetone.
Cremos,
então, não ser demais repetir a noção de que o conhecimento não
unificado (vulgar, popular, consensial, não refinado, bruto et
coetera)
será sempre inconsistente, pois não contém a verdade científica
evidente, tangível, transitada pelos diversos estádios da
Metodologia, não dispondo das informações de causa, tampouco
explicações de efeitos.
Mesmo
não unificado, contudo, é conhecimento em curso, existe, embora não
tenha sido buscado, perseguido pela pertinácia do cientista, nem
resulte do trabalho metódico do investigador.
O
conhecimento vulgar está, pois, latente na natureza e no kósmos,
na expectativa de quem lhe desbaste os excessos e recolha os
conteúdos positivos e resistentes nos campos de prova, a fim de ser
depositado no acervo científico da Humanidade, a cuja causa possa
servir.
6
CONCLUSÃO
Operar
a Ciência somente faz sentido pelos caminhos racionais do método,
via menos extensa para que se encontre a verdade. Esta – seja
expresso mais uma vez – não está acabada, porquanto, no fluir da
Ciência, que a pouco e pouco se aproxima dos limites da perfeição
até aonde pode ir a inteligência humana, o ponto gnosiológico,
suas estremas de pensamento, é facilmente passível de se
transmutar, mormente do âmbito das Ciências Sociais, cujo
componente principal, a pessoa humana, está em constante mudança em
muitos sentidos.
Aliás,
hoje, também, com o controle estabelecido pelo ente humano sobre as
coisas, têm sentido metamorfoses nas verdades das Ciências
Biológicas, seara na qual se operam muitos progressos, mediante as
pesquisas das doenças não diagnosticadas, controle genético,
emprego da moderna Química nos pacientes vivos, casos ou controle de
investigações, in
anima nobili
ou in
anima vili
(pessoas e animais inferiores) sem referir às injunções da
Meteorologia e dos movimentos internos da centrosfera, os quais,
sobremaneira, influem no ambiente.
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Resgate
de Ideias –
Estudos e Expressões Estéticas. Fortaleza: Programa Editorial da
Casa de José de Alencar – UFC, 1996, 192 p.
*João
VIANNEY Campos de MESQUITA é professor-adjunto IV da Universidade
Federal do Ceará. Escritor e jornalista. Acadêmico-titular das
Academias Cearense da Língua Portuguesa e Cearense de Literatura e
Jornalismo. Árcade titular e fundador da Arcádia Nova Palmaciana –
cadeira 1. Autor de artigos científicos publicados em periódicos de
universidades brasileiras. Revisor de livros e textos universitários
(artigos e dissertações de mestrado e teses de doutoramento).
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